quinta-feira, 19 de agosto de 2010

POR QUE SOU FÃ DO DAVID COIMBRA!

O David Coimbra é um jornalista gaúcho, que consegue dizer tudo que quer a respeito de qualquer assunto mas de maneira tão engraçada que nunca ofende nem a mãe do Juiz(ele é comentarista esportivo) e se vier a ofendê-la pode ter certeza que  o juiz não vai se  incomodar. Como? Porque ele tem o dom de escrever de tal forma que o pior desacato vira piada e como toda piada boa a gente ri no final.
Ontem aqui em P.Alegre foi um fuzuê em relação a colorados e gremistas e por isto me lembrei dele e fui buscar nos meus alfarábios uma crônica que ele escreveu para os psicólogos há muito tempo atrás(me interessei porque tenho uma filha no ramo) e guardei pensando em enviar a ela.
Olha só como tenho razão sobre elogiar o cara!

EU? VIVÍPARO?

Uma vez me chamaram de vivíparo. Fiquei chateado. Não que tenha algo contra os vivíparos, não tenho, até os acho simpáticos. Mas que mania é essa de dizer quem sou ou o que devo fazer?
Tem sido assim a vida toda. As pessoas gostam de classificar as outras pessoas. Sou um grande mamífero; certo. Bípede; tudo bem. Jornalista, filho da dona Diva, pai do Bernardo; até aí estamos no terreno das exatas. Mas e quando vem um gaiato e pergunta se sou um machista ou um tarado ou um comunista ou um neoliberal ou qualquer outra coisa? Tudo muito subjetivo. Aí tenho que ficar me explicando. O que é inútil. Aquela pessoa já me rotulou, catalogou e arquivou na pasta, digamos, dos machistas. E de vez em quando ela vem e reclama:
- Você não pode ser machista, você é um formador de opinião.
Eu? Formador de opinião? Por Deus: nunca formei uma única opinião até hoje. Não que não tenha tentado. Minha mãe, por exemplo, às vezes tento formar a opinião dela. Não consigo. Ela não concorda comigo. Meus amigos, volta e meia esforço-me para dar uma formada nas opiniões deles. Em vão. Eles não mudam um milímetro de ideia. E os leitores. Jamais um leitor admitiu que formei a opinião dele. Não. O leitor vem e diz:
- Que legal aquilo que você escreveu. É exatamente o que eu penso!
Ou seja: ele concordou com a minha opinião porque é a opinião DELE. Ele só concorda com ele mesmo. Logo, não preciso dar explicação sobre o que sou ou deixo de ser. Não faz diferença.
Mesmo assim, admito que às vezes é interessante ouvir a opinião dos outros sobre quem sou. Sobretudo das autoridades.
Em quase todas as empresas nas quais trabalhei, tive de participar de cursos, e aí já estamos na categoria das coisas que as pessoas querem que eu faça. Cursos. Pois bem. Esses cursos, eles são muito interessantes. Uma vez me colocaram num curso de Excel. É um programa de computador aí. Não lembro exatamente como funciona, mas parece ser bastante útil para administradores e tal.
Também assisti a inúmeros cursos de gestão, e foi neles que ouvi opiniões de autoridades sobre a minha pessoa. Por autoridades refiro-me a psicólogos. É espantosa a capacidade dos psicólogos. Havia uma época em que os psicólogos lhe davam uma folha de papel e um lápis e mandavam que você desenhasse uma árvore. O truque era desenhar o chão sob a árvore. Se você não desenhasse o chão, seria reprovado. Todo mundo sabia disso do chão, você tinha de passar por um teste psicológico e as pessoas advertiam:
- Não esquece de desenhar o chão! Tem que desenhar o chão!
Desenhei muito chão em teste psicológico. Depois, imagino que os psicólogos tenham percebido que a história do chão estava manjada e mudaram tudo. Eles agora pegam você e alguns dos seus colegas e colocam todos em uma sala. Depois, dividem a turma em grupos, como no colégio. Dão tarefas para cada grupo: montar uma casa de Lego, formar um tabuleiro de xadrez com algumas peças de madeira, caminhar de olhos fechados sobre uma linha pintada no chão. Você passa 40 minutos fazendo essas coisas e depois disso os psicólogos dizem quem é você, se pode ou não ser chefe, se deve ser demitido ou promovido. Tudo com base na ciência. Impressionante.
Conheço algumas pessoas que foram largadas no meio do mato pelos professores de cursos de gestão, outros que foram obrigados a jogar rúgbi. Terminados os cursos, eles voltaram para suas empresas transformados em ótimos chefes. Ciência pura. Impressionante.
Mesmo assim, estou cansado de todas as pessoas que me dizem o que fazer ou o que sou. Não me importo nem se elas tiverem razão. Um vivíparo? Eu? Não venham me rotular. Não venham me dizer o que fazer. Falem por vocês mesmos.

Mudando conceitos...



Com esta interpretação linda ficará mais tênue o texto para pensar e repensar nossos conceitos:

Foi muito sem querer, na festinha de aniversário de sua filha. Observando os presentes, minha amiga se deu conta de como uma mulher é feita. No aniversário de seu menino, outros presentes: jogos lógicos, carrinhos, livros. Sua filha recebeu bichinhos, bonecas, vestidos, estojos de maquiagem. Mulher é uma instituição histórica. Tal como a conhecemos, é muito mais costela da cultura que da natureza.

Ao menino jogos, carrinhos, livros. Quem fez de tais coisas objetos de varão? A cultura. Um quarto azul para ele, um rosa para ela. Jogos para o cérebro. Carrinhos de tecnologia. Livros para os saberes. Aliás, salvo os culinários, é mister manter as mulheres longe dos segredos. Na maçonaria, por exemplo. Ou na Igreja Católica, onde podem servir, rezar, limpar, bordar a estola e quarar o manutérgio. Tudo, menos participar da hierarquia. Para justificar essa declarada preferência de Deus pelo sexo masculino, a teologia produziu os mais estrambóticos silogismos.

Minha amiga observa os presentes de sua filha. Ela precisa ser meiga, doce, bonita. Essa é a idéia de menina que os convidados à festa reafirmam. A filha de minha amiga, mesmo sem saber de feminino e masculino, vai aprendendo a conformar-se – isto é adquirir a forma da fôrma – ao mundo pronto. Bonecas. Claro, maternidade. E, se por um descuido da natureza, ela não puder fazer-se mãe, terá de administrar a frustração imposta por si mesma, e pelo meio. Milhares de anos depois de Sara, não ter filhos ainda é um castigo divino. Um castigo não expresso, mas dolorosamente tácito e ácido, implícito e lícito. Ai das estéreis!

Mulheres bem sucedidas tornam-se devoradoras de homens ou fagocitam o masculino. Para vencer os machos, as armas de varões. Se muito femininas, perdem credibilidade e o cargo. Os homens usam ternos para serem respeitados, as mulheres terninhos. Prostituta ou santa. Sob o homem ou acima dele. Lado a lado não?

O mundo público é assaz masculino. É o mundo da razão, da lei, da guerra, da objetividade. Às mulheres o confinamento dos espaços privados. É preciso controle, e não apenas da fêmea como indivíduo da raça. Características femininas como a solidariedade e a amorosidade foram banidas da hierarquia e da lógica públicas. Destruição do meio ambiente, guerras, racionalidade muita, ternura pouca. É o império patriarcal.

Uma mulher não se faz sob jugo e desterro. Uma mulher se faz deixando-a bordar todos os tecidos sociais. Uma mulher se faz permitindo-a cozinhar tenra e ternamente política e ciência. Jamais haverá rosto humano sem a face feminina.

Mulheres, que dão à luz, amamentam e, ainda, educam meninos e meninas, mais do que ninguém, sabem: pequenos gestos podem estar grávidos de grandes mudanças. E, se o sonho de um mundo diferente para seus filhos tornar-se causa de insônia, podem começar a pensá-lo na próxima festinha de aniversário.(P.M)