segunda-feira, 30 de maio de 2011

O que seria uma vida de luxo?





É impossível viver sem ele; só que existem luxos e luxos.
Para a milionária Barbara Hutton, a herdeira mais rica dos Estados Unidos, um deles foi mandar fabricar um Rolls-Royce em tamanho pequeno para dar de presente a seu filho, então com 9 anos. E, para motorista do carro, contratou um anão. Será que ter dinheiro demais pira a cabeça das pessoas, elas nunca ficam satisfeitas?
Detalhe: depois de nove casamentos, Barbara Hutton morreu pobre.
Para não ser radical, admito que algum dinheiro sempre ajuda, mas não é tão fundamental assim.
Então vou falar de algumas coisas que são, para mim, o luxo dos luxos e que não custam quase nada.
Acordar num domingo de manhã sabendo que a faxineira não vem, que todos os eletrodomésticos da casa estão funcionando e que, com a graça de Deus, o telefone não vai tocar. O dia será silencioso, e o único movimento na casa será o dos cachorros que para ser sincera estão velhos e nem se mexem muito.Dormem. Um domingo assim é um luxo total. Outra preciosidade é, depois de passar 20 dias sem comer carboidrato, nem unzinho, pegar no armário aquela calça de 15 anos atrás, quando você era uma sílfide, e o zíper fechar.
A felicidade é maior do que se ganhasse um brilhante. E quando você chega da rua, com um calor de matar, pega um copo (bonito, de preferência) e toma uma água bem gelada,  não é um luxo? Se puser dentro de uma jarra (bonita, de preferência) cascas de limão-siciliano e deixar na geladeira, vai ser a água mais fresquinha e perfumada que já tomou.
Não é um superluxo? Aí você se refresca num chuveiro e depois vai para o quarto, liga o ar-condicionado e se deita numa cama com lençóis brancos limpinhos, cheirosos. Tem luxo maior?
Dar um mergulho num mar azul, sem ondas, sem se preocupar com os cabelos, e depois tomar uma água de coco? E então comer um peixe grelhado, temperado apenas com sal, limão e um fio de azeite. Depois de passar por várias paixões sofridas e alguns casamentos errados, não estar apaixonada é um luxo. Uma sexta-feira, às 7 da noite, você está sozinha, sem a angústia de esperar aquele telefonema.
Sente-se independente e decide sair. Enquanto pinta o olho, começa a pensar em que restaurante vai sem ninguém para dizer que prefere outro.Quando chega lá, toma dois drinques sabendo que é uma mulher livre e resolvida, que não precisa de ninguém para uma coisa tão banal, que é jantar fora. Não é um luxo?
Bom demais é ter resistido à compra daquele vestido lindo, que fez você ficar duas noites sem dormir pensando “compro ou não compro?”, e passar pela loja uma semana depois, ver que ele está em liquidação, pela metade do preço, e que você nem o quer mais. E quando chega de uma reunião de trabalho com a cabeça quente, se sentindo um lixo, e a empregada fez aquela sobremesa que você adora, não é como se o Universo estivesse todo a seu favor?
E o resultado do exame avisando que sua saúde está ótima?
 E seu filho que telefona para dizer que está com saudades?
Bem, coisas simples como estas  me fazem feliz e felicidade é o verdadeiro luxo que podemos usufruir.



sábado, 28 de maio de 2011

Afinal o que é o amor?(Carpinejar)




— Não confie na frase de sua avó, de sua mãe, de sua irmã de que um dia encontrará um homem que você merece.
Não existe justiça no amor.
O amor não é censo, não é matemática, não é senso de medida, não é socialismo.
É o mais completo desequilíbrio. Ama-se logo quem a gente odiava, quem a gente provocava, quem a gente debochava. Exatamente o nosso avesso, o nosso contrário, a nossa negação.
O amor não é democrático, não é optar e gostar, não é promoção, não é prêmio de bom comportamento.
O melhor para você é o pior. Aquele que você escolhe infelizmente não tem química, não dura nem uma hora. O pior para você é o melhor. Aquele de quem você procura distância é que se aproxima e não larga sua boca.
Amor é engolir de volta os conselhos dados às amigas.
É viver em crise: ou por não merecer a companhia ou por não se merecer.
Amor é ironia. Largará tudo — profissão, cidade, família — e não será suficiente. Aceitará tudo — filhos problemáticos, horários quebrados, ex histérica — e não será suficiente.
Não se apaixonará pela pessoa ideal, mas por aquela que não conseguirá se separar. A convivência é apenas o fracasso da despedida. O beijo é apenas a incompetência do aceno.
Amar talvez seja surdez, um dos dois não foi embora, só isso; ele não ouviu o fora e ficou parado, besta, ouvindo seus olhos.
Amor é contravenção. Buscará um terrorista somente para você. Pedirá exclusividade, vida secreta, pacto de sangue, esconderijo no quarto. Apagará o mundo dele, terá inveja de suas velhas amizades, de suas novas amizades, cerceará o sujeito com perguntas, ameaçará o sujeito com gentilezas, reclamará por mais espaço quando ele já loteou o invisível.
Ninguém que ama percebe que exige demais; afirmará que ainda é pouco, afirmará que a cobrança é necessária. Deseja-se desculpa a qualquer momento, perdão a qualquer ruído.
Amar não tem igualdade, é populismo, é assistencialismo, é querer ser beneficiado acima de todos, é ser corrompido pela predileção, corroído pelo favoritismo. É não fazer outra coisa senão esperar algum mimo, algum abraço, algum sentido.
Amor não tem saída: reclama-se da rotina ou quando ele está diferente. É censura (Por que você falou aquilo?), é ditadura (Você não devia ter feito aquilo!). É discutir a noite inteira para corrigir uma palavra áspera, discutir metade da manhã até estacionar o silêncio.
Amor é uma injustiça, minha filha. Uma monstruosidade.
Você mentirá várias vezes que nunca amará ele de novo e sempre amará, absolutamente porque não tem nenhum controle sobre o amor

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Fazer um brinde a si mesmo ...vale a pena!




Poucas situações na vida são mais angustiantes do que viver um amor não correspondido. No entanto, pouquíssimas são as pessoas que nunca experimentaram algo semelhante. Ou seja, amar e não ser amado é, em última instância, uma dor comum, embora bastante pessoal.

E por que será que ainda assim, sendo tão recorrente e fazendo parte da história de bilhões de seres humanos, continua sendo tão difícil lidar com o fato de que o outro não está a fim de continuar ou sequer de começar um relacionamento com a gente?

O fato é que aprender a lidar com a frustração da não correspondência de qualquer sentimento, especialmente dos mais intensos e profundos, é uma das mais duras e importantes lições de todos nós!

A começar pela capacidade de compreender que a razão de o outro não gostar de você da mesma forma que você gosta dele não tem a ver com quem você é exatamente. Ou seja, você certamente é alguém com qualidades suficientes para ser amado, entretanto, isso não é garantia para que a química de um encontro dê certo.

Quando falamos de amor, desejo e vontade, temos de considerar que sempre existe mais de uma parte envolvida. É a máxima do dito popular que avisa que quando um não quer, dois não brigam ou não se amam, como é o nosso caso. Mas os motivos pelos quais uma pessoa não corresponde ao seu amor estão longe de ser passíveis de explicação lógica.

Amamos e não amamos por motivos inefáveis, que não estão ao alcance das palavras ou da inteligência racional. Talvez isso explique por que, algumas vezes, amamos aquela pessoa não aprovadas pela maioria de nossos amigos e familiares. Ou por que, noutras vezes, não conseguimos amar aquela que todos dizem ser a ideal para nós, a perfeita.

Esta é a prova de que ficar se consumindo na tentativa de compreender, logicamente, por que o outro não está correspondendo nosso amor é inútil, ineficiente e só nos faz doer mais ainda. Esta é a prova, sobretudo, de que não ser amado por determinada pessoa não é um veredito, não é uma sentença, não é o fim.

Talvez, muito pelo contrário, seja apenas o começo. Seja a nossa grande chance de descobrir uma alternativa melhor. Sim, porque não prevemos o futuro. Não sabemos o que virá. E por isso mesmo deveríamos confiar um pouco mais no fluxo do Universo.

Certamente, já aconteceu com você de considerar um acontecimento péssimo, desastroso e, depois de alguns dias ou meses, ter se dado conta de que algo muito lindo, maravilhoso e imperdível só aconteceu porque havia o espaço deixado pelo que havia considerado um desastre.

Enfim, não ser correspondido hoje é ruim, eu sei. Dói. E por isso mesmo, sugiro que você chore, esperneie, desabafe e faça o que for possível, dentro das opções saudáveis, de preferência, para esgotar sua frustração e se sentir melhor. Porém, não se destrua, não se acabe e não tome as circunstâncias como determinantes de sua infelicidade.

Permita-se viver um dia de cada vez, apostando que cada noite que chega significa que você está mais distante da tristeza e mais perto de uma nova alegria. Permita-se acreditar que o sol voltará a brilhar em seu coração mais cedo do que você imagina... E siga o fluxo da existência.

E, assim, certo de que ser correspondido é tão possível quanto não ser, e que essa é uma verdade que vale para todas as pessoas deste planeta – até mesmo para aquelas consideradas as mais lindas e sensuais – levante-se, lave esse rosto, vista-se como se fosse celebrar e faça um brinde a si mesmo, ao amor e ao melhor que está por vir!





sábado, 7 de maio de 2011

Aonde estão as pessoas no meio de tanta gente?

“E não é que neste mundo tem cada vez mais gente e cada vez menos pessoas?”. Talvez ali, no corredor do shopping, não fossem pessoas – só gente. Porque nascemos gente – mas só nos tornamos pessoas se fizermos o movimento. (Eliane Brum)






O cotidiano parece se repetir conforme o previsto até que você é empalado por uma cena. Eu saía da loja de um shopping de São Paulo, na tarde de sábado, quando ele passou por mim. Não sei se era a forma como o ar se deslocava de outro jeito ao redor dele, mas eu ainda não o tinha visto e minhas mãos já se estendiam no ar para ampará-lo. Ou talvez fosse só impressão minha, uma vontade estancada antes do movimento. Era um homem velho. Mas mais do que velho, era um homem doente. Cada um dos seus passos se dava por uma coragem tão grande, porque até o pé aterrissar no chão me parecia que ele podia retroceder ou cair. Mas ele avançava. E porque ele avançava na minha frente eu pude ver aquilo que outras partes de mim já haviam percebido antes. Sobre a sua cabeça havia uma peruca tão falsa que servia apenas para revelar aquilo que ele pretendia esconder. E de uma cor tão diferente do seu cabelo branco que parecia descuido de quem o amava ou não amava. Aquilo doía porque havia uma vaidade nele, a preocupação de ocultar a nudez da cabeça. E a peruca mal feita a expunha como um fracasso. A cada um de seus passos de epopeia sua camisa subia revelando um largo pedaço da fralda geriátrica. E assim ele avançava como uma denúncia claudicante da fragilidade de todos nós. Atravessando o corredor do shopping, lugar onde fingimos poder comprar tudo o que nos falta, consumidos pelo medo dessa vida que já começa nos garantindo apenas o fim.

Eu o seguia nesse balé sem coreografia quando ouvi os risinhos. Olhei ao redor e vi as pessoas se cutucando. Olha lá. Olha lá que engraçado. Ele tinha virado piada. Aquele homem desconhecido deixara a sua casa e atravessava o shopping. Para isso empreendera seus melhores esforços. Tinha vestido a peruca para que não percebessem sua calvície. Tinha colocado a fralda para não se urinar no meio do corredor. E caminhava podendo cair a cada passo. E as pessoas ao seu redor riam. E por um momento temi uma cena de filme, quando de repente todos começam a gargalhar e há apenas o homem em silêncio. O homem que não compreende. Até enxergar seu reflexo no olhar que o outro lhe devolve e ser aniquilado porque tudo o que veem nele não é um homem tentando viver, mas uma chance de garantir sua superioridade e sua diferença.
Quando entrevisto algum escritor costumo perguntar: por que você escreve? Alguns me respondem que escrevem para não matar. Eu também escrevo para não matar. Acho que na maior parte das vezes a gente escreve, pinta, cozinha, compõe, costura, cria, enfim, porque não sabe o que fazer com as pessoas que riem enquanto alguém tenta atravessar o corredor do shopping sem ter forças para atravessar o corredor do shopping.
O que me horroriza, mais do que os grandes massacres estampados no noticiário, são essas pequenas maldades do cotidiano. E só consigo compreender os grandes massacres a partir dos pequenos massacres de todo dia. Os risinhos e dedos que apontam, os cotovelos que se cutucam.
Quem pratica os massacres miúdos do dia a dia é gente que se acha do bem, que não cometeu nenhum delito, que vai trabalhar de manhã e dá presente de Natal. Gente com quem você pode conversar sobre o tempo enquanto espera o ônibus, que trabalha ao seu lado ou bem perto de você, e às vezes até lhe empresta o creme dental no banheiro. É destes que eu tenho mais medo, é com estes que eu não sei lidar.
Entrevistei muitos assassinos sem sobressalto, porque estava tudo ali, explícito. Era uma quebra. O que me parece mais difícil é lidar com o mal rotineiro e persistente, difícil de combater porque camuflado. O mal praticado com afinco pelos pequenos assassinos do cotidiano que nenhuma lei enquadra. E quando você os confronta, esboçam uma cara de espanto.
O pequeno mal está por toda parte. Possivelmente sempre esteve. Apenas que cada época tem suas peculiaridades. E na nossa somos cegados o tempo inteiro por imagens que nos chegam por telas de todos os tamanhos. E cada vez mais escolhemos as cenas que veremos, com quais nosso cérebro decidirá se comover. E as dividimos com os amigos no twitter, enviamos por email e parece até que há uma competição sobre quem consegue enviar mais rápido as imagens mais impactantes. Mas não sei se isso é ver. Não sei se isso nos coloca em contato de verdade.
Penso nisso porque acho que o mundo seria melhor – e a vida doeria um pouco menos – se cada um se esforçasse para vestir a pele do outro antes de rir, apontar e cutucar o colega para que não perca a chance de desprezar um outro, em geral mais vulnerável. Antes de julgar e de condenar. Antes de se achar melhor, mais esperto e mais inteligente. Vestir a pele do outro no minuto anterior ao salto na jugular.
Para mim é imediato me colocar na pele do homem que atravessa o corredor sem saber se vai chegar até o fim sem tombar. Mas é mais difícil me enfiar na pele das pessoas que riem, porque sinto raiva. E tenho a pretensão de não ter nada a ver com gente assim. Incorro então no mesmo erro, ao me pretender tão diferente daquele que me horroriza. É certo então que também eu cometi e cometo meus pecados de soberba. Por coerência – e eu valorizo a coerência – preciso me forçar. E eu me forço porque acredito nesse ato.
Quais são as razões delas, então? Por que ao testemunhar o homem que atravessa o shopping em passos trôpegos elas riem, se cutucam e apontam? Fiquei pensando se estas pessoas estão tão cegas pela avalanche de cenas em tempo real que para elas é apenas uma imagem da qual podem se descolar. É só mais uma cena que, como tantas a que assistimos todos os dias, não sabemos mais se é realidade ou ficção. Não é que não sabemos, apenas que parece que não importa, agora que os limites estão distendidos. Por que apenas assistimos às cenas – não as vemos nem entramos em contato.
E é esta a grande diferença num mundo de tanta visibilidade e tão pouco contato real. E o real aqui não é uma oposição entre o real e o virtual, mas o real real. Eu vejo você, eu toco em você, eu sinto a sua dor e me sujo com o seu sangue, ainda que seja pelo computador. É um jeito de estar no mundo e se relacionar com o outro disposto a se deixar tocar e a assumir os riscos de se deixar tocar. Me parece que estamos cada vez menos dispostos a isso – apesar de termos uma possibilidade grandiosa de acesso ao outro por conta da internet. Será que é isso? Dezenas de amigos no facebook e nenhum contato real, no sentido de se deixar transtornar e transformar pelo outro, para além das amenidades e da persistente troca de informações?
Será que era por isso que podiam rir? Por que não tinham nenhuma conexão com aquele outro ser humano? É curioso que agora o verbo conectar é mais usado para nos ligarmos a uma máquina que nos leva instantaneamente para a vida dos outros. Pela primeira vez somos capazes de nos conectar ao mundo inteiro. O que é mais fácil do que se conectar a uma só pessoa – ao homem doente que atravessa o corredor do shopping diante de nós. É curioso como agora podemos nos conectar – para nos desconectarmos.
E se, ao contrário, riam porque se sentiam tão conectadas a ele que precisavam rir para suportar? Pensei então que talvez pudesse ser esta a razão. Aquelas pessoas realmente enxergavam aquele homem – e por enxergar é que precisavam rir, se cutucar e apontar. Porque a fragilidade dele também é a delas, a de cada um de nós.
Nada nos garante que em algum momento da vida não estaremos nós também tentando atravessar o corredor do shopping por onde hoje caminhamos sem sentir. Nada nos assegura de que um dia não seremos nós a quase cair a cada passo. Se tivermos sorte e não morrermos de bala perdida ou de chuva, como afirmar que não usaremos fralda geriátrica ou tentaremos cobrir nossa calvície ou as marcas de uma quimioterapia com uma peruca que apenas denuncia aquilo que queríamos esconder?
Talvez seja esta a razão, pensei. Essas pessoas precisaram rir, cutucar e apontar para ter a certeza – momentânea e ilusória – de que ele não era elas. Não seria nunca. Só apontamos para o outro, para o diferente, para aquele que não somos nós. E quando apontamos para alguém é justamente para denunciar que ela não é como nós.
Neste caso, teria sido para se certificar. Elas diziam: Olha que peruca ridícula. Ou: Você viu que ele está de fralda? Mas na verdade estavam dizendo: O que acontece com ele nunca acontecerá comigo. Ou: Ele não tem nada a ver comigo. Por que deixam gente assim entrar num shopping?
Riam, cutucavam e apontavam por medo do que viam nele – de si mesmas.
São hipóteses, apenas. Uma tentativa de entender – de pensar e escrever em vez de responder com violência à violência que presenciei. E que me aniquila tanto quanto um massacre reconhecido no noticiário como massacre.
Talvez não seja nada disso. No Natal minha filha me deu de presente uma camiseta em que a Mafalda, a personagem do cartunista argentino Quino, dizia: “E não é que neste mundo tem cada vez mais gente e cada vez menos pessoas?”. Talvez ali, no corredor do shopping, não fossem pessoas – só gente. Porque nascemos gente – mas só nos tornamos pessoas se fizermos o movimento.



O que se quer afinal?



Uma mulher quer ser egoísta, mas também quer colocar comida na mesa, ter filhos, ser amada e cada dia mais feliz.

Uma mulher quer que suas unhas não quebrem nem descasquem. Uma mulher quer se sentir atraente com o peso que tem. Uma mulher quer ver seu trabalho valorizado. E quer ganhar dinheiro com ele. Uma mulher quer ser amada. Quer viver apaixonada. E quer se divertir.
Poderíamos encerrar a questão neste primeiro parágrafo, mas como a página necessita ser preenchida, avante.
Uma mulher quer ter filhos. Ou já quis um dia. Uma mulher com filhos quer ter mais tempo pra ela. E uma mulher com tempo de sobra quer uma rotina mais agitada. Uma mulher só não quer o tédio.
Uma mulher quer um cabelo que não precise ser constantemente pintado, arrumado, escovado. Um mulher quer conversar. Uma mulher quer ficar em silêncio. Uma mulher quer que lhe telefonem de surpresa e lhe digam coisas que a façam ficar sem palavras.
Uma mulher quer deixar um homem maluco. E ter, ela mesma, o direito de enlouquecer.
Uma mulher quer aprender a ser mais egoísta. Quer, ao menos uma vez na vida, pensar só nela e em mais ninguém.
Uma mulher quer inspirar um poema. Quer ser musa. Mas não quer ser confundida com mulher que não controlam a própria vaidade e pagam mico nas páginas das revistas.
Uma mulher quer colocar comida na mesa e que as crianças raspem o prato, uma mulher quer seus filhos saudáveis e felizes, uma mulher quer que eles durmam a noite toda, de preferência em casa.
Uma mulher quer desligar a tevê.
Uma mulher quer sexo. Uma mulher quer devorar um pão de meio quilo sem culpa. Uma mulher quer sair bonita na foto. Uma mulher quer dormir mais cedo. Uma mulher quer ser reparada na festa.
Uma mulher quer que seu carro não a deixe na mão. Uma mulher quer ser escutada. E quer escutar os homens, que pouco se abrem.
Uma mulher quer fazer algo pela sociedade. Quer ajudar quem precisa. Quer ser útil. Em troca, quer que a ajudem com as sacolas. E que a amparem na dor.
Uma mulher quer ter o gostinho de dizer não para os cafajestes. Por mais que ela queira dizer sim.
Uma mulher quer morrer de rir.
Uma mulher quer que não a levem tão a sério. Quer batalhar por seus ideais sem se embrutecer. Uma mulher quer de vez em quando demonstrar seus dotes de atriz. Uma mulher quer brilhar no escuro.
Uma mulher quer paz. Uma mulher quer ler mais, viajar mais, conhecer mais. Uma mulher quer flores. Quer beijos. Quer se sentir viva. E quer viver pra sempre, enquanto for bom.
Está respondido, doutor Freud. Não somos assim tão complicadas.



quarta-feira, 4 de maio de 2011

Princesas, bandidos e mocinhos-Martha Medeiros

Prefiro mil vezes me deliciar com  as cenas do casamento real que com a realidade sangrenta de todos os dias!



Eu me sinto mais segura pelo fato de Osama bin Laden, o terrorista número 1 do mundo, ter sido assassinado, a despeito de qualquer lei, num acerto de contas entre o bem e o mal. É uma morte com forte simbologia, sem dúvida, e uma tremenda vitória política para os Estados Unidos, mas trata-se de uma desforra, de uma vingança, de um aqui se faz, aqui se paga, e não de um passo efetivo rumo a dias mais pacíficos. Seria, se tivéssemos testemunhado Obama e Osama apertando-se as mãos – uma cena que faz parte do repertório dos delírios, mas que produziria resultados mais práticos.

O rei morreu, viva o rei! Não é sempre assim? O sucessor de Osama bin Laden já deve estar articulando suas pirotecnias para honrar o líder fundamentalista.
Pra quem vê de longe, tudo isso parece enredo de gibi, mocinhos versus bandidos, mas quão distantes ainda estamos do epicentro dos acontecimentos?
Semana passada vi no jornal os destroços de um bar em Marrakesh que foi pelos ares matando quase duas dezenas de turistas. Um ano e meio atrás, eu estava sentada naquele mesmo local. Não é uma sensação confortável, assim como tampouco me sinto 100% tranquila sendo passageira da United Airlines nos próximos dias – viajarei com minha filha justamente para Honolulu, cidade natal do presidente americano, como consta em sua tão anunciada certidão de nascimento.
Ficar em casa seria uma atitude mais cautelosa? Creio que não há segurança garantida nem em casa, nem na escola, nem no trânsito, nem no estádio, nem no bistrô da esquina. Os imprevistos nos alcançam onde quer que estejamos.
Enquanto todos nós estivermos à mercê de fanáticos religiosos, de milícias terroristas e de políticos vorazes pelo poder – citando apenas os peixes graúdos –, o mundo continuará em constante ameaça. É por essas e outras que o ritual monárquico envolvendo dois belos jovens atraiu a atenção de tanta gente. Foi pausa para descanso.
Um olhar rápido para o picadeiro não corrompe a consciência de ninguém. Não é toda hora que se é agraciado com uma dose generosa de fantasia, glamour e humor – eu, ao menos, acho engraçado que se chame de “casamento real” um enlace tão, tão onírico, tão... irreal.
A realeza não sangra, mas a realidade, sim. A paz que podemos alcançar hoje é a interior, individual, porque a paz coletiva é uma ilusão. Todas as nações têm batalhas a vencer – o Brasil tem as suas, os Estados Unidos têm as deles, o Paquistão, a Líbia.
A própria Inglaterra logo, logo será convocada a recolocar os pés no chão. Podemos até preferir seguir enxergando a vida como se ela fosse uma história em quadrinhos: ora um conto de fadas, ora um bague-bangue na favela, ora uma aventura de super-heróis. Mas, pelo menos no que se refere às questões de segurança mundial, já nada me parece tão fictício.

terça-feira, 3 de maio de 2011

OUTROS ESTRANGEIRISMOS-Martha Medeiros

De que adianta andarmos vestidos mas com a bunda de fora?Antes de tudo vamos aprender a falar e escrever direito nosso próprio idioma.





Gosto muito do que voçê escreve. Se não for encômodo, poderia ler o meu blog?
Estou anciosa para ler seu novo livro.
Essas três primeiras frases são exemplos de manifestações carinhosas que recebo diariamente e que muito me comovem, mas, se você reparar bem, vai ver que elas trazem alguns “estrangeirismos” à língua portuguesa, com os quais, aliás, o governo não se importa tanto.
Você escrito com cedilha. Encômodo em vez de incômodo. Anciosa em vez de ansiosa. Equívocos campeões de audiência. Existe também na linguagem escrita uma farta distribuição de palavras como previlégio, viajem, recompença, análize, sem contar os clássicos mendingo, menas, imbigo.
Quando se trata da palavra falada, é comum ouvir “trusse” em vez de trouxe, “eu soo” em vez de “eu suo”, sem falar no descaso absoluto com os plurais: vou com quatro amigo, ela me deve cinco real, almocei dois pastel.
Serão todos analfabetos? De forma alguma. São profissionais liberais, estudantes de faculdade e, olha, alguns se apresentam até como professores. Erram porque todo mundo erra, assim como eu também cometo meus erros. Não esses, nem tantos, mas cometo. Recentemente passei pelo vexame de escrever “doentis” em vez de “doentios”. O português é uma língua que convida à derrapagem.
Só há uma maneira de barrar o uso disseminado desses estrangeirismos no nosso idioma: incentivando cada vez mais o hábito da leitura, investindo maciçamente nas escolas e inaugurando uma biblioteca pública em cada esquina.
Se não for assim, os pais continuarão falando errado em casa e darão maus exemplos aos seus filhos, que por sua vez passarão adiante atrocidades como “para mim fazer” ou “vou estar fechando a loja”, e o português continuará sendo infestado de expressões que, essas sim, comprometem a integridade do nosso idioma.
Eu sou contra qualquer patrulha, mas se querem instaurar uma, que seja pela preservação do bom português, em vez de perderem tempo com uma caça às bruxas improdutiva. A absorção de palavras estrangeiras é algo natural em qualquer cultura, não há motivo para organizar uma resistência.
Claro que há certos exageros, principalmente no jargão empresarial, mas isso é questão de gosto: na minha opinião, de mau gosto. Me parece mais elegante apresentar um orçamento do que um budget, fazer uma reunião do que fazer um meeting e apresentar um relatório em vez de um paper, mas há quem se sinta um profissional mais competente falando assim. Afetação, só isso. De forma alguma coloca em risco nossa língua mãe.
Utilizar palavras em inglês, vez que outra, é apenas uma rendição ao que se consagrou como universal. Não mata ninguém. E não deixa de ser didático, afinal, o turismo tem aumentado no mundo e é bom que se saibam algumas palavras-chaves. De minha parte, acho preferível fazer um happy hour do que ter uma hora felis com os amigos, fazer um check in no aeroporto do que uma xecagem, executar downloads do que baichar músicas. O uso eventual do inglês (ou do francês, do italiano, do latim) não compromete em nada o nosso idioma. O português mal falado e mal escrito é que nos faz passar vergonha.

Entre pendrives e blutufe...

Que coisa,não é? A gente tem "blutufe" e nem sabe... mas também...tanto faz...


Acho que o bom Deus não vai me perguntar se minha entrada é USB, quando eu chegar lá....


Haroldo tirou o papel do bolso, conferiu a anotação e perguntou à balconista:

- Moça, vocês têm pendrive?

- Temos, sim.

- O que é pendrive? Pode me esclarecer? Meu filho me pediu para comprar um.

- Bom, pendrive é um aparelho em que o senhor salva tudo o que tem no computador.

- Ah, como um disquete...

- Não. No pendrive o senhor pode salvar textos, imagens e filmes. O disquete, que nem existe mais, só salva texto.

- Ah, tá bom. Vou querer.

- Quantos giga?

- Hein?

- De quantos giga o senhor quer o seu pendrive?

- O que é giga?

- É o tamanho do pen.

- Ah, tá. Eu queria um pequeno, que dê para levar no bolso sem fazer muito volume.

- Todos são pequenos, senhor. O tamanho, aí, é a quantidade de coisas que ele pode arquivar.

- Ah, tá. E quantos tamanhos têm?

- Dois, quatro, oito, dezesseis giga...

- Hmmmm, meu filho não falou quantos giga queria.

- Neste caso, o melhor é levar o maior.

- Sim, eu acho que sim. Quanto custa?

- Bem, o preço varia conforme o tamanho. A sua entrada é USB?

- Como?

- É que para acoplar o pen no computador, tem que ter uma entrada compatível.

- USB não é a potência do ar condicionado?

- Não, aquilo é BTU.

- Ah! É isso mesmo. Confundi as iniciais. Bom, sei lá se a minha entrada é USB.

- USB é assim ó: com dentinhos que se encaixam nos buraquinhos do computador. O outro tipo é este, o P2, mais tradicional, o senhor só tem que enfiar o pino no buraco redondo. O seu computador é novo ou velho? Se for novo é USB, se for velho é P2.

- Acho que o meu tem uns dois anos. O anterior ainda era com disquete. Lembra do disquete? Quadradinho, preto, fácil de carregar, quase não tinha peso. O meu primeiro computador funcionava com aqueles disquetes do tipo bolacha, grandões e quadrados. Era bem mais simples, não acha?

- Os de hoje nem têm mais entrada para disquete.. Ou é CD ou pendrive.

- Que coisa! Bem, não sei o que fazer. Acho melhor perguntar ao meu filho.

- Quem sabe o senhor liga pra ele?

- Bem que eu gostaria, mas meu celular é novo, tem tanta coisa nele que ainda não aprendi a discar.

- Deixa eu ver. Poxa, um Smarthphone! Este é bom mesmo! Tem Bluetooth, woofle, brufle, trifle, banda larga, teclado touchpad, câmera fotográfica, flash, filmadora, radio AM/FM, TV digital, dá pra mandar e receber e-mail, torpedo direcional, micro-ondas e conexão wireless....

- Blu... Blu... Blutufe? E micro-ondas? Dá prá cozinhar com ele?

- Não senhor. Assim o senhor me faz rir. É que ele funciona no sub-padrão, por isso é muito mais rápido.

- Pra que serve esse tal de blutufe?

- É para um celular comunicar com outro, sem fio.

- Que maravilha! Essa é uma grande novidade! Mas os celulares já não se comunicam com os outros sem usar fio? Nunca precisei fio para ligar para outro celular. Fio em celular, que eu saiba, é apenas para carregar a bateria...

- Não, já vi que o senhor não entende nada, mesmo. Com o Bluetooth o senhor passa os dados do seu celular para outro, sem usar fio. Lista de telefones, por exemplo.

- Ah, e antes precisava fio?

- Não, tinha que trocar o chip.

- Hein? Ah, sim, o chip. E hoje não precisa mais chip...

- Precisa, sim, mas o Bluetooth é bem melhor.

- Legal esse negócio do chip. O meu celular tem chip?

- Momentinho... Deixa eu ver... Sim, tem chip.

- E faço o quê, com o chip?

- Se o senhor quiser trocar de operadora, portabilidade, o senhor sabe.

- Sei, sim, portabilidade, não é? Claro que sei. Não ia saber uma coisa dessas, tão simples? Imagino, então que para ligar tudo isso, no meu celular, depois de fazer um curso de dois meses, eu só preciso clicar nuns duzentos botões...

- Nããão! É tudo muito simples, o senhor logo apreende. Quer ligar para o seu filho? Anote aqui o número dele. Isso. Agora é só teclar, um momentinho, e apertar no botão verde... pronto, está chamando.

Haroldo segura o celular com a ponta dos dedos, temendo ser levado pelos ares, para um outro planeta:

- Oi filhão, é o papai. Sim. Me diz, filho, o seu pen drive é de quantos... Como é mesmo o nome? Ah, obrigado, quantos giga? Quatro giga está bom? Ótimo. E tem outra coisa, o que era mesmo? Nossa conexão é USB? É? Que loucura. Então tá, filho, papai está comprando o teu pen drive. De noite eu levo para casa.

- Que idade tem seu filho?

- Vai fazer dez em março.

- Que gracinha...

- É isso moça, vou levar um de quatro giga, com conexão USB.

- Certo, senhor. Quer para presente?



Mais tarde, no escritório, examinou o pendrive, um minúsculo objeto, menor do que um isqueiro, capaz de gravar filmes! Onde iremos parar? Olha, com receio, para o celular sobre a mesa. "Máquina infernal", pensa. Tudo o que ele quer é um telefone, para discar e receber chamadas. E tem, nas mãos, um equipamento sofisticado, tão complexo que ninguém que não seja especialista ou tenha a infelicidade de ter mais de quarenta, saberá compreender.



Em casa, ele entrega o pen drive ao filho e pede para ver como funciona. O garoto insere o aparelho e na tela abre-se uma janela. Em seguida, com o mouse, abre uma página da internet, em inglês. Seleciona umas palavras e um 'heavy metal' infernal invade o quarto e os ouvidos de Haroldo. Um outro clique e, quando a música termina, o garoto diz:

- Pronto, pai, baixei a música. Agora eu levo o pendrive para qualquer lugar e onde tiver uma entrada USB eu posso ouvir a música. No meu celular, por exemplo.

- Teu celular tem entrada USB?

- É lógico. O teu também tem.

- É? Quer dizer que eu posso gravar músicas num pen drive e ouvir pelo celular?

- Se o senhor não quiser baixar direto da internet...

Naquela noite, antes de dormir, deu um beijo em Clarinha e disse:

- Sabe que eu tenho Blutufe?

- Como é que é?

- Blutufe. Não vai me dizer que não sabe o que é?

- Não enche, Haroldo, deixa eu dormir.

- Meu bem, lembra como era boa a vida, quando telefone era telefone, gravador era gravador, toca-discos tocava discos e a gente só tinha que apertar um botão, para as coisas funcionarem?

- Claro que lembro, Haroldo. Hoje é bem melhor, né?

- Várias coisas numa só, até Blutufe você tem. E conexão USB também.

- Que ótimo, Haroldo, meus parabéns.

- Clarinha, com tanta tecnologia a gente envelhece cada vez mais rápido. Fico doente de pensar em quanta coisa existe, por aí, que nunca vou usar.

- Ué? Por quê?

- Porque eu recém tinha aprendido a usar computador e celular e tudo o que sei já está superado.

- Por falar nisso temos que trocar nossa televisão.

- Ué? A nossa estragou?

- Não. Mas a nossa não tem HD, tecla SAP, slowmotion e reset.

- Tudo isso?

- Tudo.

- A nova vai ter blutufe?

- Boa noite, Haroldo, vai dormir que eu não aguento mais...

(autor desconhecido)