terça-feira, 3 de maio de 2011

OUTROS ESTRANGEIRISMOS-Martha Medeiros

De que adianta andarmos vestidos mas com a bunda de fora?Antes de tudo vamos aprender a falar e escrever direito nosso próprio idioma.





Gosto muito do que voçê escreve. Se não for encômodo, poderia ler o meu blog?
Estou anciosa para ler seu novo livro.
Essas três primeiras frases são exemplos de manifestações carinhosas que recebo diariamente e que muito me comovem, mas, se você reparar bem, vai ver que elas trazem alguns “estrangeirismos” à língua portuguesa, com os quais, aliás, o governo não se importa tanto.
Você escrito com cedilha. Encômodo em vez de incômodo. Anciosa em vez de ansiosa. Equívocos campeões de audiência. Existe também na linguagem escrita uma farta distribuição de palavras como previlégio, viajem, recompença, análize, sem contar os clássicos mendingo, menas, imbigo.
Quando se trata da palavra falada, é comum ouvir “trusse” em vez de trouxe, “eu soo” em vez de “eu suo”, sem falar no descaso absoluto com os plurais: vou com quatro amigo, ela me deve cinco real, almocei dois pastel.
Serão todos analfabetos? De forma alguma. São profissionais liberais, estudantes de faculdade e, olha, alguns se apresentam até como professores. Erram porque todo mundo erra, assim como eu também cometo meus erros. Não esses, nem tantos, mas cometo. Recentemente passei pelo vexame de escrever “doentis” em vez de “doentios”. O português é uma língua que convida à derrapagem.
Só há uma maneira de barrar o uso disseminado desses estrangeirismos no nosso idioma: incentivando cada vez mais o hábito da leitura, investindo maciçamente nas escolas e inaugurando uma biblioteca pública em cada esquina.
Se não for assim, os pais continuarão falando errado em casa e darão maus exemplos aos seus filhos, que por sua vez passarão adiante atrocidades como “para mim fazer” ou “vou estar fechando a loja”, e o português continuará sendo infestado de expressões que, essas sim, comprometem a integridade do nosso idioma.
Eu sou contra qualquer patrulha, mas se querem instaurar uma, que seja pela preservação do bom português, em vez de perderem tempo com uma caça às bruxas improdutiva. A absorção de palavras estrangeiras é algo natural em qualquer cultura, não há motivo para organizar uma resistência.
Claro que há certos exageros, principalmente no jargão empresarial, mas isso é questão de gosto: na minha opinião, de mau gosto. Me parece mais elegante apresentar um orçamento do que um budget, fazer uma reunião do que fazer um meeting e apresentar um relatório em vez de um paper, mas há quem se sinta um profissional mais competente falando assim. Afetação, só isso. De forma alguma coloca em risco nossa língua mãe.
Utilizar palavras em inglês, vez que outra, é apenas uma rendição ao que se consagrou como universal. Não mata ninguém. E não deixa de ser didático, afinal, o turismo tem aumentado no mundo e é bom que se saibam algumas palavras-chaves. De minha parte, acho preferível fazer um happy hour do que ter uma hora felis com os amigos, fazer um check in no aeroporto do que uma xecagem, executar downloads do que baichar músicas. O uso eventual do inglês (ou do francês, do italiano, do latim) não compromete em nada o nosso idioma. O português mal falado e mal escrito é que nos faz passar vergonha.

Entre pendrives e blutufe...

Que coisa,não é? A gente tem "blutufe" e nem sabe... mas também...tanto faz...


Acho que o bom Deus não vai me perguntar se minha entrada é USB, quando eu chegar lá....


Haroldo tirou o papel do bolso, conferiu a anotação e perguntou à balconista:

- Moça, vocês têm pendrive?

- Temos, sim.

- O que é pendrive? Pode me esclarecer? Meu filho me pediu para comprar um.

- Bom, pendrive é um aparelho em que o senhor salva tudo o que tem no computador.

- Ah, como um disquete...

- Não. No pendrive o senhor pode salvar textos, imagens e filmes. O disquete, que nem existe mais, só salva texto.

- Ah, tá bom. Vou querer.

- Quantos giga?

- Hein?

- De quantos giga o senhor quer o seu pendrive?

- O que é giga?

- É o tamanho do pen.

- Ah, tá. Eu queria um pequeno, que dê para levar no bolso sem fazer muito volume.

- Todos são pequenos, senhor. O tamanho, aí, é a quantidade de coisas que ele pode arquivar.

- Ah, tá. E quantos tamanhos têm?

- Dois, quatro, oito, dezesseis giga...

- Hmmmm, meu filho não falou quantos giga queria.

- Neste caso, o melhor é levar o maior.

- Sim, eu acho que sim. Quanto custa?

- Bem, o preço varia conforme o tamanho. A sua entrada é USB?

- Como?

- É que para acoplar o pen no computador, tem que ter uma entrada compatível.

- USB não é a potência do ar condicionado?

- Não, aquilo é BTU.

- Ah! É isso mesmo. Confundi as iniciais. Bom, sei lá se a minha entrada é USB.

- USB é assim ó: com dentinhos que se encaixam nos buraquinhos do computador. O outro tipo é este, o P2, mais tradicional, o senhor só tem que enfiar o pino no buraco redondo. O seu computador é novo ou velho? Se for novo é USB, se for velho é P2.

- Acho que o meu tem uns dois anos. O anterior ainda era com disquete. Lembra do disquete? Quadradinho, preto, fácil de carregar, quase não tinha peso. O meu primeiro computador funcionava com aqueles disquetes do tipo bolacha, grandões e quadrados. Era bem mais simples, não acha?

- Os de hoje nem têm mais entrada para disquete.. Ou é CD ou pendrive.

- Que coisa! Bem, não sei o que fazer. Acho melhor perguntar ao meu filho.

- Quem sabe o senhor liga pra ele?

- Bem que eu gostaria, mas meu celular é novo, tem tanta coisa nele que ainda não aprendi a discar.

- Deixa eu ver. Poxa, um Smarthphone! Este é bom mesmo! Tem Bluetooth, woofle, brufle, trifle, banda larga, teclado touchpad, câmera fotográfica, flash, filmadora, radio AM/FM, TV digital, dá pra mandar e receber e-mail, torpedo direcional, micro-ondas e conexão wireless....

- Blu... Blu... Blutufe? E micro-ondas? Dá prá cozinhar com ele?

- Não senhor. Assim o senhor me faz rir. É que ele funciona no sub-padrão, por isso é muito mais rápido.

- Pra que serve esse tal de blutufe?

- É para um celular comunicar com outro, sem fio.

- Que maravilha! Essa é uma grande novidade! Mas os celulares já não se comunicam com os outros sem usar fio? Nunca precisei fio para ligar para outro celular. Fio em celular, que eu saiba, é apenas para carregar a bateria...

- Não, já vi que o senhor não entende nada, mesmo. Com o Bluetooth o senhor passa os dados do seu celular para outro, sem usar fio. Lista de telefones, por exemplo.

- Ah, e antes precisava fio?

- Não, tinha que trocar o chip.

- Hein? Ah, sim, o chip. E hoje não precisa mais chip...

- Precisa, sim, mas o Bluetooth é bem melhor.

- Legal esse negócio do chip. O meu celular tem chip?

- Momentinho... Deixa eu ver... Sim, tem chip.

- E faço o quê, com o chip?

- Se o senhor quiser trocar de operadora, portabilidade, o senhor sabe.

- Sei, sim, portabilidade, não é? Claro que sei. Não ia saber uma coisa dessas, tão simples? Imagino, então que para ligar tudo isso, no meu celular, depois de fazer um curso de dois meses, eu só preciso clicar nuns duzentos botões...

- Nããão! É tudo muito simples, o senhor logo apreende. Quer ligar para o seu filho? Anote aqui o número dele. Isso. Agora é só teclar, um momentinho, e apertar no botão verde... pronto, está chamando.

Haroldo segura o celular com a ponta dos dedos, temendo ser levado pelos ares, para um outro planeta:

- Oi filhão, é o papai. Sim. Me diz, filho, o seu pen drive é de quantos... Como é mesmo o nome? Ah, obrigado, quantos giga? Quatro giga está bom? Ótimo. E tem outra coisa, o que era mesmo? Nossa conexão é USB? É? Que loucura. Então tá, filho, papai está comprando o teu pen drive. De noite eu levo para casa.

- Que idade tem seu filho?

- Vai fazer dez em março.

- Que gracinha...

- É isso moça, vou levar um de quatro giga, com conexão USB.

- Certo, senhor. Quer para presente?



Mais tarde, no escritório, examinou o pendrive, um minúsculo objeto, menor do que um isqueiro, capaz de gravar filmes! Onde iremos parar? Olha, com receio, para o celular sobre a mesa. "Máquina infernal", pensa. Tudo o que ele quer é um telefone, para discar e receber chamadas. E tem, nas mãos, um equipamento sofisticado, tão complexo que ninguém que não seja especialista ou tenha a infelicidade de ter mais de quarenta, saberá compreender.



Em casa, ele entrega o pen drive ao filho e pede para ver como funciona. O garoto insere o aparelho e na tela abre-se uma janela. Em seguida, com o mouse, abre uma página da internet, em inglês. Seleciona umas palavras e um 'heavy metal' infernal invade o quarto e os ouvidos de Haroldo. Um outro clique e, quando a música termina, o garoto diz:

- Pronto, pai, baixei a música. Agora eu levo o pendrive para qualquer lugar e onde tiver uma entrada USB eu posso ouvir a música. No meu celular, por exemplo.

- Teu celular tem entrada USB?

- É lógico. O teu também tem.

- É? Quer dizer que eu posso gravar músicas num pen drive e ouvir pelo celular?

- Se o senhor não quiser baixar direto da internet...

Naquela noite, antes de dormir, deu um beijo em Clarinha e disse:

- Sabe que eu tenho Blutufe?

- Como é que é?

- Blutufe. Não vai me dizer que não sabe o que é?

- Não enche, Haroldo, deixa eu dormir.

- Meu bem, lembra como era boa a vida, quando telefone era telefone, gravador era gravador, toca-discos tocava discos e a gente só tinha que apertar um botão, para as coisas funcionarem?

- Claro que lembro, Haroldo. Hoje é bem melhor, né?

- Várias coisas numa só, até Blutufe você tem. E conexão USB também.

- Que ótimo, Haroldo, meus parabéns.

- Clarinha, com tanta tecnologia a gente envelhece cada vez mais rápido. Fico doente de pensar em quanta coisa existe, por aí, que nunca vou usar.

- Ué? Por quê?

- Porque eu recém tinha aprendido a usar computador e celular e tudo o que sei já está superado.

- Por falar nisso temos que trocar nossa televisão.

- Ué? A nossa estragou?

- Não. Mas a nossa não tem HD, tecla SAP, slowmotion e reset.

- Tudo isso?

- Tudo.

- A nova vai ter blutufe?

- Boa noite, Haroldo, vai dormir que eu não aguento mais...

(autor desconhecido)