segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Devaneios etcétera e tal...: AS ALÇAS DA MENTE

Devaneios etcétera e tal...: AS ALÇAS DA MENTE: "O pensamento pode voar, mas a mente gosta mesmo é de uma prisão. A mente gosta de prender-se voluntariamente a tudo o que não muda, ao qu..."

AS ALÇAS DA MENTE

O pensamento pode voar, mas a mente gosta mesmo é de uma prisão.



A mente gosta de prender-se voluntariamente a tudo o que não muda, ao que permanece, ao que se repete e ao que é sempre igual.
Por isso, a mente adora lembranças e memórias.
Porque o passado já passou e não pode ser mais mudado.
O passado é permanente. A mente acha isso o máximo.
É como administrar uma empresa onde nada pode dar errado.
O medo da mente é justamente este, administrar imprevistos.
Outra coisa que a mente ama de paixão é o padrão, porque como o nome já diz, o padrão não muda.
Um metro, uma hora, o mesmo caminho para o trabalho, voltar ao mesmo restaurante e sentar à mesma mesa, são padrões que toda mente humana gosta de repetir.
Ah, que prazer que a mente sente quando a bunda senta na mesma cadeira que sentou na aula anterior!
A repetição dá segurança, porque cria a falsa ilusão de que nada vai mudar.
E se nada mudar, nada de ruim poderá acontecer.
Tudo será igual, com o mesmo final feliz, como antes.
Crianças adoram ver filmes mil vezes porque se sentem seguras, porque podem antecipar as próximas cenas (se na vida fosse assim...) e porque têm certeza de como a história terminará.
Já as mentes adultas, especialmente as obsessivas em qualquer grau, adoram a matemática.
A matemática é a única ciência exata e imutável.
Enquanto a física e química, a biologia, por exemplo, estão sujeitas a variáveis da vida real, a matemática continua igual.
Daí o fato de que toda mente obsessiva gosta de contar, manipular números.
As contas são sempre exatas, não mudam.
E se você contar todos os passos e chegar direitinho à padaria com seus mil passos, então, podemos concluir que sua mãe não vai morrer e nada vai dar errado no seu dia.
Certo? Errado.
Errado porque a mente vive num mundo irreal.
Mundo da mente é como caspa, só existe na sua cabeça.
Tudo é mera ilusão. E, com perdão do excesso de realidade fisiológica, o mundo está cagando e andando pras suas ilusões mentais.
Como o mundo já provou, uma batida de asas de borboleta na África pode influenciar mais a ocorrência de um tsunami na Ásia do que sua contagem de azulejos no banheiro.
Porque a borboleta é real e seu pensamento, não.
O problema é que a mente não quer nem saber disso e provavelmente muitos já terão abandonado este texto nas primeiras linhas.
Espertos, porque sabem que vou contar um segredo sobre eles: a mente fabrica alças.
Sim, alças, onde ela, a mente, possa se apegar.
Uma alça, como aquele putaqueopariu do carro, onde a gente segura a vida quando o motorista não é de confiança.
Como o santo Antonio dos jipes.
A alça pode ser um nome, um amuleto, uma mania, uma repetição qualquer.
A mente é chata, mas criativa, e assim, inventou a alça-sem-mala.
Nesta alça ela se apega até a morte.
É uma crença, um dogma, uma frase feita, um chavão, um lugar-comum: "Angélica ficou mais bonita depois que teve filho"; "Vaso ruim não quebra"; "Jesus voltará"...
Qualquer alça é boa pra mente: "A cadeia é a universidade do crime", "Direituzumanu só tem bandidu"...
Se a mente se acha fraca, ela inventa uma alça para se sentir forte, tipo: "Sou feia, mas tô na moda".
A mente inventa que se a pessoa perder dez quilos vai ser feliz e tudo vai dar certo na vida. Troca nomenclaturas, pra se sentir por cima.
Porque uma coisa é dizer que você tem TOC e outra coisa é assumir que você é um obsessivo chato, que ninguém agüenta conviver a seu lado e por isso você precisa de tratamento sério com remédio e tudo mais.
A mente inventa alças pra não cair em si.
Mas cair em si é a única forma de tomar consciência - primeiro passo para melhorar.
Portanto, remova todas as alças. Caia. Caia em si.
Tá gordo? Tá gordo, então, vamos emagrecer.
Tá infeliz? Sai dessa, viva a vida, aproveite.
Tá duro? 'Bora ganhar dinheiro'.
Só não fique aí, com essa cara de passageiro do circular da eternidade, vendo a vida passar na fresta da janelinha de um puta ônibus cheio, segurando firme na alça do medo, pois você tem que dar o sinal e descer para a liberdade do imprevisível.(Rosana Hermann)

Matando a saudade em sonho


Como vencer a saudade com algo que seja mais parecido com presença? Através do sonho
A saudade não tem nada de trivial. Interfere em nossa vida de um modo às vezes sereno, às vezes não. É um sentimento bem-vindo, pois confirma o valor de quem é ou foi importante para nós, e é ao mesmo tempo um sentimento incômodo, porque acusa a ausência, e os ausentes sempre nos doem.
Por sorte, é relativamente fácil exterminar a saudade de quase tudo e de quase todos, simplesmente pegando o telefone e ouvindo a voz de quem nos faz falta, ou indo ao encontro dessa pessoa. Ou daquele lugar que ficou na memória: uma cidade, uma antiga casa. Podemos eliminar muitas saudades, enquanto outras vão surgindo. A saudade do gosto de uma comida, de um cheiro do passado, de um abraço. Há muitas saudades possíveis de se conviver e possíveis de matar. A única saudade que não se mata é a de quem morreu. Morrer. Que verbo macabro para se falar de nostalgia.
Já ouvi vários relatos sobre a saudade que se sente de um pai, de um avô, de um filho, de uma amiga, dos afetos que nos deixaram cedo demais - sempre é cedo para partir, não importa a idade de quem se foi. Ficam as cenas guardadas na lembrança, mas elas se esvanecem, recordações são sempre abstratas. De concreto, palpável, tem-se as fotos e as imagens de gravações caseiras, mas de tanto vê-las, já não vemos. Já a sabemos de cor. Não há o rosto com uma expressão nova, a surpresa de um gesto inusitado.
Como, então, vencer a saudade com algo que seja mais parecido com presença?
Através do sonho.
Uma mãe que perdeu seu filho anos atrás me conta que todos em casa sonham com ele, menos ela. Para sua infelicidade, ela não tem controle sobre isso, simplesmente não recebe essa bênção, e queria tanto. E eu a entendo, porque através do sonho a pessoa que se foi nos faz uma visita. Pode até ser uma visita aflitiva, mas a pessoa está de novo ali, ela está interagindo, ela está sorrindo, ou está calada, ou está dançando, ou escapando de nossas mãos, mas ela está acontecendo em tempo real, que é o período em que estamos dormindo, e que faz parte da vida, e não da morte.
De vez em quando sonho com minha mãe e sempre acordo animada por ela ter encontrado esse meio de me dar um alô, de me fazer recordá-la. Observo seu jeito, ouço sua voz e penso: quem roteirizou esse sonho? De onde vieram suas palavras para mim? A resposta lógica: meu inconsciente falou através dela, só que isso tira todo o encanto da cena. Prefiro acreditar que ela é que esteve no comando da sua aparição, me dizendo o que tinha para dizer, nem que fosse uma frasezinha à toa.
Nesse feriado de Finados, o que se pode desejar para os inúmeros saudosos de mães, de maridos, de netos? Que os sonhos abracem a todos.