domingo, 22 de agosto de 2010

BRASIL, QUE PAÍS É ESTE?

Escrito em 1896...e parece que tudo continua igual...


"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e

sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de

vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a

energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as

moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem,

nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque

sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um

lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro

de lagoa morta. [.]


Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não

descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter,

havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública

em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a

infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem

que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral,

escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro [.]


Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado

de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela

abdicação unânime do País. [.]


A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de

fazer dela saca-rolhas;

Dois partidos [.] sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes,

[.] vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos

nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades

do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão

que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma

sala de jantar."

Guerra Junqueiro, "Pátria", 1896

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