segunda-feira, 4 de outubro de 2010

OUTUBRO ROSA- O SEIO ESQUERDO...

Quero fazer neste outubro, que é o mes do cancer de mama,  uma homenagem a minha mãe e a todas as mulheres que precisaram extirpar um seio para continuar vivendo.Nunca vi um poema( abaixo) retratar a  verdadeira e intensa dor de uma mulher  vivendo dia após dia, desde a noticia fatídica no exame, à cirurgia,  radioterapia, quimio, sempre necessitando se olhar no espelho ao sair do banho, ou no simples ato de  colocar uma blusa, ou mesmo ao fato intuitivo de  olhar outras mulheres que possuem os dois seios intactos e se lembrar do seu que falta, sem  se perguntar: por que eu, meu Deus?
.Foi uma dor nunca revelada para nós filhos, em palavras,  lamurias, em choro ou depressão. Foi uma dor só dela, um luto jamais repartido com ninguém! Mas deve ter sido muito difícil viver com aquele enchimento no lado esquerdo, que só ela sabia que era uma espuma imitando  um seio verdadeiro, seio que já havia sentido o prazer de um beijo, de amamentar os filhos, enfim, se prestado ao papel que ele deve cumpir.
Mentir aos outros , diariamente, que ela era uma mulher inteira, deve ter sido muito difícil!
Por isto à todas as mulheres que como minha mãe souberam aceitar este estigma com dignidade e coragem, meu carinho e solidariedade.


Aconteceu.
Ninguém espera
E, na primavera,
Foi-se o seio esquerdo.
Foi-se o toque,
Ficou a sensação fantasma.
Foi-se o alimento,
Ficou o vazio no peito.
Como ser mulher, sem o seio esquerdo?
Como ser mãe, sem a mama esquerda?
Como ser profissional, sem o outro par?
Como se olhar no espelho, nua?
O seio direito, encabulado,
Só e pendurado,
Emoldurando o luto
Do parceiro canhoto.
Está faltando o outro.
São dois,
Originalmente dois.
Há que ser dois.
Nunca mais seus dedos
Apertando a carne macia e rosada.
Nunca mais sua boca
A brincar de trincar e arrepiar.
Nunca mais a dança sensual
Dos pares no banho
E entre lençõis de cetim.
Há um imenso vazio
Bem maior que a mama!
Que atinge camadas profundas
Da própria natureza fêmea.
Há a ausência constante
Lembrada todo o tempo
Pelo traço da cicatriz
Dessa ferida que não fecha.
Há a dor, os ductos, os lutos
Mágoa infiltrante, ingrata, infeliz.
Dias vividos sem perceber
E para quê viver?
Olhos que nunca repararam
Agora recusam-se a olhar.
Não tem remédio,
Não tem escolha,
Tem alopécia, náusea e dor.
Tem quimioterapia,
Tem agonia
Solidão de espinho e flor.
Tão falso o enchimento
Disfarça a roupa
Como peruca da alma
Que dribla olhares piedosos.
De mulher barbada de circo
Que extirpa seus próprios caroços.
Os dias arrastados, as horas contadas
Quando volta ao normal?
Quando se acorda do pesadelo?
Ou tentar esquecê-lo...
É tão desigual, tão caolha
Fica sem sentido, tão velha
Um robusto, imponente, desejável!
Outro, um traço doente, indelével, lamentável.
Luta diária e desanimada
Para sobreviver — corpo sem jeito
Mulher sem peito, que cala o grito
Tempo finito, seio bonito
Que se foi.
(Lilian Maial )

2 comentários:

  1. Olá, encontrei seu post numa busca por Outubro Rosa e estou incluindo-o na lista dos que integram a blogagem coletiva.
    :)
    http://www.samshiraishi.com/outubro-rosa-2010/

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  2. Lindo poema! Linda homenagem! bjs

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