sábado, 29 de janeiro de 2011

Cansada de mim.






Todos os dias passo por mim, mas nunca me olho. Decerto porque estou cansado de me conhecer, quiçá cansada de mim.
Hoje dei comigo olhos nos olhos e não sei que força me travou o passo. Mas parei e olhei-me e surpreendi-me comigo mesma. De repente, quase tive dúvidas se era eu que estava ali na minha frente, mas logo vi que era.
Há traços, há curvas, diáfanos e imperceptíveis desenhos num rosto que o tempo não logrou desvanecer. Agora tudo é claro, apesar das remotas e profundas marcas do tempo. Marcas que neste instante não vejo, mas estarem vivas em mim, profundas e inapagáveis.
Naquele 'eu' que está na minha frente, está esse outro, eu de há muito, que tenho desconsiderado com a minha indiferença. Nesta hora, estou a gostar de me ver ainda não toldada pelas ditas e inexoráveis marcas. Só não gosto do meu cabelo. Tem a risca ao meio num rasgo quase simétrico, a conferir-me um ar que vaga pelas bandas do caricato. Não, não gosto do meu penteado, desse eu que tenho na minha frente. Mas estou a gostar de me ver, porque olhando-me desde aquele tempo, vejo toda uma vida transbordar de coisas, de acontecimentos, sentimentos, emoções. Eia, tanta coisa se passou comigo neste longo entretanto. Conheci horas felizes, mas conheci a amargura sem limites. Conheci a amizade mas acima de tudo cruzei-me e senti-me devorada pelo amor.
Acho que pela primeira vez e neste preciso instante, tenho consciência do que é o tempo, do que ele faz em nós, da oportunidade que ele nos dá de vivermos, afinal, daquilo que é estar-se vivo, isto é desfrutar da luz da janela da vida.
Você é os brinquedos que brincou, as gírias que usava, você é os nervos a flor da pele no vestibular, os segredos que guardou, você é sua praia preferida, Garopaba, Maresias, Ipanema, você é a renascido depois do acidente que escapou, aquele amor atordoado que viveu, a conversa séria que teve um dia com seu pai, você é o que você lembra.

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