domingo, 16 de janeiro de 2011

O homem que casou com sua mão direita.(L.F.Veríssimo)




A verdade era que Herculano encontrara na sua mão direita o que nunca encontrara numa mulher.

O Herculano era um homem sério, o que tornava suas esquisitices ainda mais divertidas para o grupo. Mesmo quando não estava na roda, o Herculano era assunto da turma. Volta e meia, alguém chegava com uma história nova do amigo, sempre prefaciada com a frase:
– Sabem a última do Herculano?
Pois a última do Herculano ele mesmo anunciou, um dia, ao chegar no bar:
– Pedi a minha mão em casamento.
– O quê?!
– Você vai casar com você mesmo?
– Não, só com a minha mão. Esta.
E Herculano levantou sua mão direita. A noiva abanou para todos na mesa.
Herculano explicou que não tinha sido uma decisão súbita e impensada. Ele e sua mão eram ligados desde pequenos. Tinham se criado juntos. A partir da puberdade haviam começado a fazer sexo regularmente, mas nada sério. Coisa de adolescentes. Com o tempo, no entanto, o relacionamento mudara.
Crescera uma real afeição entre os dois, que aos poucos se transformara em amor. A verdade, contou Herculano, era que encontrara na sua mão direita o que nunca encontrara numa mulher. Além de ser uma companheira constante que jamais o contrariava e fazia todas as suas vontades, era uma amante perfeita. Nenhuma mulher conseguia satisfazê-lo como sua mão direita
– Me apaixonei, pronto – disse Herculano.
Herculano enumerou todas as vantagens de ter sua mão direita como esposa. Ela jamais lhe seria infiel. Ela jamais se recusaria, com um gesto que fosse, a fazer amor com ele. Estaria sempre pronta para o sexo, incapaz de alegar dor de cabeça, tendinite ou o que fosse.
E não esperaria que ele fizesse conversa de neném antes e depois do ato, como algumas mulheres exigem. Sua mão direita não esperaria nada, não exigiria nada, seria uma amante – além de exímia nas artes do amor – silenciosa.
Não era brincadeira. Herculano levou adiante o plano de casar com sua mão direita. Durante algum tempo – o tempo do noivado – a noiva usou duas alianças no seu dedo anular, uma dela e a outra do Herculano. Depois do casamento, a aliança do Herculano passou para a sua mão esquerda. Todos na roda queriam saber quando seria o casamento, quem seriam os padrinhos etc., mas Herculano informou que a cerimônia seria simples e sem testemunhas.
Ele sabia que não seria difícil arranjar alguém para oficializá-la. Hoje em dia, como se sabe, tem até padre casando surfistas em cima da prancha e pegando onda. Mas Herculano preferiu a discrição. A lua de mel foi em Cancun.
E aconteceu uma coisa que ninguém poderia prever. O Herculano, que nunca fora disso, se revelou num grande ciumento. Continua frequentando a roda, mas, se desconfia que alguém está dando muita atenção à sua esposa, põe a mão no bolso.

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