terça-feira, 7 de setembro de 2010
A ORIGEM- O FILME
Dir.: Christopher Nolan
Com Leonardo DiCaprio, Joseph Gordon-Levitt, Ellen Page, Ken Watanabe, Cillian Murphy, Marion Cotillard, Michael Caine, Tom Hardy, Tom Berenger, Dileep Rao, Pete Postlethwaite
Minha humilde crítica:Fui assistir este filme em uma sala no shopping Cidade Jardim em S.Paulo, onde pipocas e champagne são servidos aos cinéfilos de plantão , deitados em poltronas-cama. Com todo este aparato ao qual nós gaúchos não estamos acostumados me preparei para curtir um "filme cabeça" acompanhada de toda esta mordomia.
Na primeira meia hora do filme não entendi nada e me ajeitei naquela cama de solteiro com a esperança que não fosse uma questão de burrice minha. Mais meia hora do filme eu estava quase dormindo com tanta ficção sem nexo.Ali o cara tinha no mínimo fumado uns dez baseados e queria que nós, sóbrios, fizessemos a viagem com ele.Me senti muito otária, em primeiro lugar por ter ido atrás da critica dos pseudo intelectuais que nada entendem mas fingem que tudo ten um significado. As 3 dimensões, um sonho dentro de um sonho...etecétera e tal.Acho que até o Freud não desvendaria o sonho do Di Caprio, e olha que o cara era bom nisto!
Um filme sem pé nem cabeça, que só não levantei e fui embora porque havia mais pessoas comigo.
Na saída todos nos olhamos com cara de sono dando uma grande gargalhada, onde a única coisa que concordamos é que fizemos uma "viagem" sem ter fumado nenhum.Ainda bem que não foi uma viagem sem volta,concordamos.
Posso afirmar que foi um dos piores filmes que vi nos últimos anos, ganhando até do filme do Lula. Só que neste último, que conta a história da vida pobre do nosso presidente nem me dei ao trabalho de sair de casa mesmo que me oferecessem champagne , uma cama estofada para deitar e um ingresso gratuíto.
Agora vamos a crítica dos "entendidos":
Em A Origem, Nolan chega ao que podemos pensar ser o ápice de suas experimentações em como contar uma história. A estrutura de seu novo longa-metragem, como não poderia deixar de ser, lembra bastante a de um sonho, cheia de elipses. Com diversos acontecimentos rolando ao mesmo tempo – com o intrincando conceito do sonho dentro do sonho – o espectador precisa ficar atento para pescar todas as informações dadas pelo roteiro. E não são poucas. Christopher Nolan faz questão de explicar as regras desse universo em meio a diálogos expositivos, mas nunca óbvios. Ariadne, a arquiteta dos sonhos, serve como a representante dos espectadores na tela, fazendo as perguntas pertinentes e recebendo as bem-vindas explicações necessárias.
É salutar assistir a um filme com roteiro extremamente inteligente e que não subestima seu público. Isso e o fato de as reviravoltas da história estarem longe dos clichês dos usuais thrillers é motivo de comemoração para cinéfilos. Em dado momento, esperava que algum personagem se mostrasse um vilão em potencial, um infiltrado ou qualquer coisa do tipo como em centenas de outros filmes. Felizmente, Christopher Nolan nos presenteia com um roteiro bastante original, cheio de momentos inspirados e que planta a vontade no espectador de assistir novamente. Seja para confirmar algumas informações, seja para se divertir uma segunda vez com as aventuras de Dom Cobb e sua equipe.
Aventura, aliás, é uma palavra correta para A Origem. São muitas as cenas de ação. Algumas convencionais, mas muito bem executadas, outras completamente inovadoras – como o caso da gravidade zero ou do mundo incoerente criado pela mente de Ariadne. Estas duas cenas, em particular, com o perdão do clichê, são de arrepiar. Mesmo tendo sido utilizadas em trailers e comerciais, o efeito de assistir a imagens tão únicas na tela grande é de deixar qualquer um boquiaberto. Imagine em Imax então?
Com um visual caprichado e roteiro igualmente bem lapidado, Christopher Nolan precisava apenas de um elenco à altura para dar conta do recado. Ainda que não tenhamos uma atuação rasgadamente destacada como a de Heath Ledger em Batman – O Cavaleiro das Trevas, o grupo de A Origem é incrivelmente forte.
E o protagonista? Leonardo DiCaprio encabeça o longa-metragem e convence como um inteligente e traumatizado indivíduo, que vive se escondendo de uma ameaça em potencial. Dom Cobb é um homem apegado demais ao seu passado e precisa deixá-lo para trás. Suas cicatrizes ainda o machucam e a culpa de um evento irreversível o assombra até hoje. Esta é a jornada do personagem e o espectador consegue se relacionar com o seu drama, apesar de faltar uma pitada de emoção para que tudo ficasse perfeito. É o único quesito questionável em A Origem. Muito cérebro e pouco coração em alguns momentos. Nada que tire do filme suas cinco estrelas, two thumbs up, nota 10, ou qualquer que seja o seu sistema de avaliação.
Certamente, muitos procurarão por críticas e resenhas tentando achar respostas para o final do filme. O próprio Christopher Nolan disse que não se preocupava em ceder isso ao espectador. Cada um entende da forma como quiser aquele último momento, cortado segundos antes de uma possível resposta, deixando todos no escuro – literalmente. É um desfecho arrebatador, que deixará perguntas eternas. E, na verdade, o que menos importa é esta resposta. O interessante e fascinante neste filme é a jornada dos personagens. Da mesma forma que nunca saberemos se Capitu traiu Bentinho, se Deckard era ou não um replicante, a resposta para o que vimos em A Origem ficará na cabeça de cada um. Eu tenho a minha.
EU A MINHA.
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segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Vai entender mulher...
Passei parte da vida lendo revistas de moda tentando seguir seus mandamentos, e o que aprendi até hoje – além de saber que às vezes as saias estão mais ou menos curtas – é que o fundamental é encontrar seu próprio estilo; só que, por mais que tenha me esforçado, até hoje isso não me aconteceu. Afinal, qual é o meu estilo? Quando vejo um filme na TV, com a atriz de franjona, pego uma tesourinha e corro para a frente do espelho para cortar a minha. Na semana seguinte, vejo outro e já providencio um megahair para alongar a mesma franja. Enlouqueço quando vejo as vamps dos anos 1950, adoro um longo vermelho de Valentino, acho Audrey Hepburn a mulher mais elegante que já existiu, mas também não resisto a um jeans com botas de cobra, bem Brigitte Bardot (ou chacrete, se preferirem). Passo temporadas morta de fome, só tomando água, para ficar magra; quando canso, decreto que mulher de verdade deve ser um pouco mais cheinha, caio de boca no chocolate e depois, desesperada, passo a comer só aos domingos. A vida é muito complicada.
Na verdade, para se ter um estilo é preciso saber quem se é, e aí a coisa vai ficando mais difícil. Acho que para saber mesmo quem eu sou, só perguntando a um analista, mas, como já passei por vários e ainda não me encontrei, talvez não seja por aí. Será que nasci para me vestir na alta-costura ou prefiro um jeans com camiseta? Sapatos do designer francês Louboutin ou tênis Adidas? Afinal, qual é meu estilo? Confesso que não sei.
É que nós, mulheres, nunca somos uma só. Um dia queremos sair “vestidas para matar”, já no outro dia de pretinho básico e colar de pérolas, chiquérrimas, na semana seguinte incorporamos uma alta executiva, e, dependendo do namorado do momento, trocamos a decoração da casa, o time de futebol, viramos chef de cozinha. E isso lá é ter estilo? Claro que não. Pensei em contratar uma personal stylist, mas se eu, que me conheço há tanto tempo, não sei quem sou, como é que ela vai saber? Talvez um anúncio desse resultado: “Procura-se um estilo”. Isso me faz lembrar de um amigo, casado com uma atriz que toda manhã lhe perguntava: “Quem você quer que eu seja hoje?” Eu já tive vários estilos: fui elegante, um pouquinho hippie, esportiva, já usei salto 12, aos 17 anos passava pancake e batom vermelho desde a manhã, já fui ruiva, morena, fui loura, segui a moda, contestei a moda, e, se para ter estilo é preciso ser fiel a ele a vida toda, a única pessoa que realmente tem estilo no mundo é Elke Maravilha. Ela é ainda mais: é estilosa.
Estilo tem a ver com personalidade, e acho que meu problema é ter várias: às vezes sou feminista, às vezes machista, às vezes a favor do casamento, às vezes contra, e assim tem sido minha vida. Há quem diga que quem tem muitas personalidades não tem nenhuma, assim como quem tem vários estilos não tem nenhum, mas já me conformei e estou feliz assim. Penso que passar a vida com um estilo só deve ser monótono; não tenho estilo, mas me divirto muito.
CRIEI CORAGEM!
"Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente tem coragem para aquilo que ele realmente conhece", observou Nietzsche.
É o meu caso.
Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo. Por medo.
Alberto Camus, leitor de Nietzsche, acrescentou um detalhe a cerca da hora em que a coragem chega:
"Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos".
Tardiamente.
Na velhice.
Como estou velho, ganhei coragem.
Vou dizer aquilo sobre o que me calei: "O povo unido jamais será vencido", é disso que eu tenho medo.
Em tempos passados, invocava-se o nome de Deus como fundamento da ordem política.
Mas Deus foi exilado e o "povo" tomou o seu lugar: a democracia é o governo do povo.
Não sei se foi bom negócio; o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável, é de uma imensa mediocridade.
Basta ver os programas de TV que o povo prefere.
A Teologia da Libertação sacralizou o povo como instrumento de libertação histórica. Nada mais distante dos textos bíblicos.
Na Bíblia, o povo e Deus andam sempre em direções opostas.
Bastou que Moisés, líder, se distraísse na montanha para que o povo, na planície, se entregasse à adoração de um bezerro de ouro.
Voltando das alturas, Moisés ficou tão furioso que quebrou as tábuas com os Dez Mandamentos.
E a história do profeta Oséias, homem apaixonado! Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava!
Mas ela tinha outras idéias.
Amava a prostituição. Pulava de amante e amante enquanto o amor de Oséias pulava de perdão a perdão. Até que ela o abandonou.
Passado muito tempo, Oséias perambulava solitário pelo mercado de escravos. E o que foi que viu?
Viu a sua amada sendo vendida como escrava. Oséias não teve dúvidas. Comprou-a e disse:
"Agora você será minha para sempre.".
Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa numa parábola do amor de Deus.
Deus era o amante apaixonado.
O povo era a prostituta.
Ele amava a prostituta, mas sabia que ela não era confiável.
O povo preferia os falsos profetas aos verdadeiros,porque os falsos profetas lhe contavam mentiras.
As mentiras são doces; a verdade é amarga.
Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola com pão e circo.
No tempo dos romanos, o circo eram os cristãos sendo devorados pelos leões.
E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos!
As coisas mudaram.
Os cristãos, de comida para os leões, se transformaram em donos do circo.
O circo cristão era diferente: judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas.
As praças ficavam apinhadas com o povo em festa, se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos.
Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro"O Homem Moral e a Sociedade Imoral"
observa que os indivíduos, isolados, têm consciência. São seres morais. Sentem-se "responsáveis" por aquilo que fazem. Mas quando passam a pertencer a um grupo, a razão é silenciada pelas emoções coletivas.
Indivíduos que, isoladamente, são incapazes de fazer mal a uma borboleta,se incorporados a um grupo tornam-se capazes dos atos mais cruéis.
Participam de linchamentos, são capazes de pôr fogo num índio adormecido e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival.
Indivíduos são seres morais.
Mas o povo não é moral.
O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo.
Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional, segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade.
É sobre esse pressuposto que se constrói a democracia.
Mas uma das características do povo é a facilidade com que ele é enganado.
O povo é movido pelo poder das imagense não pelo poder da razão.
Quem decide as eleições e a democracia são os produtores de imagens.
Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista que produz as imagens mais sedutoras.
O povo não pensa.
Somente os indivíduos pensam.
Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam a ser assimilados à coletividade.
Uma coisa é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham.
Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo. Jesus foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás. Durante a revolução cultural, na China de Mao-Tse-Tung, o povo queimava violinos em nome da verdade proletária.
Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar.
O nazismo era um movimento popular. O povo alemão amava o Führer.
O povo, unido, jamais será vencido!
Tenho vários gostos que não são populares. Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos.
Mas, que posso fazer?
Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche, de Saramago, de silêncio; não gosto de churrasco, não gosto de rock, não gosto de música sertaneja, não gosto de futebol.
Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo, eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostose a engolir sapos e a brincar de "boca-de-forno", à semelhança do que aconteceu na China.
De vez em quando, raramente, o povo fica bonito. Mas, para que esse acontecimento raro aconteça,
é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute:
"Caminhando e cantando e seguindo a canção.",
Isso é tarefa para os artistas e educadores.
O povo que amo não é uma realidade, é uma esperança.
Rubem Alves(Folha de S.Paulo-2002)
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Aos homens!
Ele tirou do bolso um pacote pequeno e disse: “Isso é para você”. Fiquei sem fala porque não esperava. Era uma lembrança mínima, delicada, talvez não tenha custado quase nada, mas durmo com ela ao meu lado até hoje.
Um homem deveria entender nossas sensibilidades. As diferenças que nos tornam mulher. As que, mesmo com o tempo de lutas travadas não deixaram de pertencer à típica essência feminina.
Podemos desbravar o mundo com as nossas lanças afiadas. Controlar os instintos para que não derrubem os alicerces que foram fincados no chão para nos proteger das leis do passado. Estudar, possuir cursos e chefiar pessoas no trabalho. E, mesmo assim, jamais deixaremos de sonhar. De delirar com lindos vestidos de seda nas vitrines. Sapatos que tornem nossas pernas mais torneadas com meias transparentes para insinuar mais. A maquiagem que brilha na face como fantasia: pó translúcido, lápis preto e rímel nos olhos ansiosos e o gloss que brilha só em nuances pedindo, por fim, o beijo.
Queria dizer a um homem que dê mais flores para a mulher. Um mimo que de tão pequeno não imagina o que provoca. A lembrança tirada do bolso despretensiosamente e que entrega assim, do nada. E que efeito faz. Se ele soubesse o quanto precisamos de detalhes. Dos que ficam guardados na lembrança pelo resto da existência, não deixaria de oferecer a riqueza de um grão de arroz com o nome da amada gravado ou um chaveiro que acende. Mínimos tesouros vivos. Preciosos diamantes.
Se soubesse como um bilhete no papel de chiclete fica para sempre acomodado na gaveta dos nossos sonhos. O que sentimos quando ele revela que guardou na sua carteira , bem escondida, aquela nossa foto, mínima, mas que se torna imensa, em um zoom fictício quando nos conta envergonhado . Frações de sentimentos, prazeres que mexem com a carne fêmea. Que faz as asas dos sentidos voarem em liberdade.
Mulher gosta de pingos nas letras. De corações azuis espalhados na cama. De pétalas de rosas jogadas no chão do quarto. De velas acesas em torno da banheira de hidromassagem. De fortuitos beijos e transas no banheiro de uma festa.
Se um homem soubesse que pequenos detalhes nos tornam grandes. Motivam. Engrandecem a nossa auto estima. Que não precisa gastar tanto dinheiro com presentes caros. É claro que adoramos jóias, mas que junto a elas esteja um cartão escrito: “Mulher da minha vida”.
Não adianta dizer que perdemos a feminilidade com as lutas travadas durante séculos. Que a delicadeza não mais importa. Que o cheiro de uma mulher não mexe com os homens. A lingerie que distorce as leis objetivas tão masculinas. Um simples e pequeno pano rendado que transtorna os hormônios e aceleram a busca de suas mãos através de nossos corpos. Que poder!
Se eles soubessem que quando esquecem só por instantes o rico projeto em que trabalham e oferecem os braços em um abraço, não mais nos deixariam de lado tantos dias. Telefonariam para dizer “boa noite” ou “bom dia” e que para nós representa “eu te amo”.
Eles deveriam saber que precisamos de marcas que nos deixe sonhar até o próximo encontro. Que fomos escolhidas entre tantas.
Se um homem acreditasse nessa necessidade de carinho que temos. Nos hormônios que desfalecem quando vibram com o som da voz nos amando. Das brincadeiras quando nos encontramos. Os bombons de licor. O refrigerante doce tomado no mesmo canudo. O vinho seco e no olhar a cumplicidade e o desejo.
Pois é, são só detalhes, mas que uma mulher jamais esquece. Como sair do caminho costumeiro só para vê-la rapidinho e matar a saudade. Tantas coisas um homem poderia fazer para nos ter amantes. E esses pedaços do céu não são encontrados em nenhuma loja e sim em sua criatividade.
Tomara que um deles leia esse texto. Que possa guardar como lembrança o sinal dos tempos. O desejo que externamos e não põem em prática, mas que nunca desistimos de pedir. Se percebesse o que uma mulher precisa para ficar feliz, tiraria a foto da lua cheia ou lhe entregaria um vidro pequeno de purpurina dizendo ser o pó das estrelas. E nós, queridos, acreditaríamos porque somos todas Mulheres.
sábado, 28 de agosto de 2010
Devaneios etcétera e tal...: AS PARTES- Como dói!
Devaneios etcétera e tal...: AS PARTES- Como dói!: "Uma separação, falo como advogada de Familia que sou, dói ! Dói para cada parte no processo: para o casal nesta ruptura muitas vezes drástic..."
AS PARTES- Como dói!
Uma separação, falo como advogada de Familia que sou, dói !
Dói para cada parte no processo: para o casal nesta ruptura muitas vezes drástica, para quem atua como mediadora como eu, necessitando entrar na vida de cada um e precisando dividir o imenso sofrimento de todos, e principalmente dói em demasia para os filhos, que mesmo sem entender são PARTES NO PROCESSO.
Tem dias que levantar cedo não dói. Hoje foi um e não me perguntem por quê. São 8:47 agora e eu já cataloguei fotografias de 1973... por aí, até 1992, ufa... Lembranças, algumas até meio amarelando, de coisas vividas e que passaram. Passaram? Umas sim e outras não. Coisas que marcam, como o mar azul de Tainhas, contrastando com o laranja do bote inflável cheio de boinhas de braço.
É... navegávamos com crianças... e como crianças, na segurança que a juventude dá. Éramos indestrutíveis, aptos a levar bebês para o alto mar num bote de dois metros. Estranho que o mar azul, um bote e as lembranças das muitas "indiadas" rumo ao sol, ao vento, ao mar e à aventura me tenham trazido, de repente, de volta ao passado mais recente. Mais precisamente segunda-feira, a última.
Não tinha nem mar azul, nem mesmo céu, pelo menos não olhei para o alto. Só coisas cinza. Cinza era o prédio, a roupa da advogada, cinza era o chão, as portas, cinza sobriedade, cinza impessoal, cinza tapa sujeira, e depois dizem que blue é que é triste. Não éramos mais os jovens aventureiros arriscadores de bebês, desbravadores dos cafundós de qualquer praia paradisíaca. Éramos "as partes". Cheguei a olhar para trás quando a oficial de justiça disse:
— As partes podem entrar.
Nos olhamos. Como bons ex-aventureiros fomos juntos pra poupar os carros, mesma advogada, pra economizar, também. Um olhar e bastou. Olhos azuis nos outros olhos azuis: estes somos nós, "as partes".
Sentamos, mãos geladas. E sentamos errado. Era para ser em lados opostos e sentamos lado a lado. Incrível que, depois de tanto tempo, a nossa segurança ainda era enfrentar aquilo juntos. A juíza, o único elemento de cor no recinto, balançou os ombros e as pulseiras e voltou os olhos para o texto. A pastinha laranja-bote contrastando com o azul-mar de sua blusa.
E nos resumiu...
— Vocês, "as partes", são fulano e fulana, vocês têm isso, aquilo, aquilo outro e mais dois filhos.
Meus lindos bebês que escaparam de morrer afogados no mar de Santa Catarina, sucumbiram à lei, coisificados junto com automóveis e apartamentos.
— Confere?
Que íamos dizer???
— Confere...
— A parte "tal" fica com isso... Confere? E a parte "outro tal" fica com aquilo... Confere?
— Confere...
Repartimos até os nossos bebês. Como se fosse possível repartir vida! Como se os sonhos dele não estivessem para sempre colados nos meus.
Sorte que não pensei em nada na hora. Acho que ser chamada de "parte tal" me anestesiou. Firulas legais foram recitadas. E eu ali esperando o "então vos declaro..." Mas não tem. E não tem música. E ninguém nos beijou na saída.
— "As partes" podem se retirar.
Cruzamos o corredor cinza e descemos pelo elevador cinza, a advogada cinza sempre falando, coisas cinza.
Na rua enfim o sol. E eu rezando para que, pelo menos, um bote laranja me trouxesse pra casa
Voltamos juntos, falando dos nossos bebês. Olhos azuis nos outros olhos azuis, eu ainda sei o que aqueles olhos pensam.
Estranhamente, desde lá eu venho pensando em mar, em botes, em vento...
E em bebês.(by Suzana Gutierrez)
Dói para cada parte no processo: para o casal nesta ruptura muitas vezes drástica, para quem atua como mediadora como eu, necessitando entrar na vida de cada um e precisando dividir o imenso sofrimento de todos, e principalmente dói em demasia para os filhos, que mesmo sem entender são PARTES NO PROCESSO.
Tem dias que levantar cedo não dói. Hoje foi um e não me perguntem por quê. São 8:47 agora e eu já cataloguei fotografias de 1973... por aí, até 1992, ufa... Lembranças, algumas até meio amarelando, de coisas vividas e que passaram. Passaram? Umas sim e outras não. Coisas que marcam, como o mar azul de Tainhas, contrastando com o laranja do bote inflável cheio de boinhas de braço.
É... navegávamos com crianças... e como crianças, na segurança que a juventude dá. Éramos indestrutíveis, aptos a levar bebês para o alto mar num bote de dois metros. Estranho que o mar azul, um bote e as lembranças das muitas "indiadas" rumo ao sol, ao vento, ao mar e à aventura me tenham trazido, de repente, de volta ao passado mais recente. Mais precisamente segunda-feira, a última.
Não tinha nem mar azul, nem mesmo céu, pelo menos não olhei para o alto. Só coisas cinza. Cinza era o prédio, a roupa da advogada, cinza era o chão, as portas, cinza sobriedade, cinza impessoal, cinza tapa sujeira, e depois dizem que blue é que é triste. Não éramos mais os jovens aventureiros arriscadores de bebês, desbravadores dos cafundós de qualquer praia paradisíaca. Éramos "as partes". Cheguei a olhar para trás quando a oficial de justiça disse:
— As partes podem entrar.
Nos olhamos. Como bons ex-aventureiros fomos juntos pra poupar os carros, mesma advogada, pra economizar, também. Um olhar e bastou. Olhos azuis nos outros olhos azuis: estes somos nós, "as partes".
Sentamos, mãos geladas. E sentamos errado. Era para ser em lados opostos e sentamos lado a lado. Incrível que, depois de tanto tempo, a nossa segurança ainda era enfrentar aquilo juntos. A juíza, o único elemento de cor no recinto, balançou os ombros e as pulseiras e voltou os olhos para o texto. A pastinha laranja-bote contrastando com o azul-mar de sua blusa.
E nos resumiu...
— Vocês, "as partes", são fulano e fulana, vocês têm isso, aquilo, aquilo outro e mais dois filhos.
Meus lindos bebês que escaparam de morrer afogados no mar de Santa Catarina, sucumbiram à lei, coisificados junto com automóveis e apartamentos.
— Confere?
Que íamos dizer???
— Confere...
— A parte "tal" fica com isso... Confere? E a parte "outro tal" fica com aquilo... Confere?
— Confere...
Repartimos até os nossos bebês. Como se fosse possível repartir vida! Como se os sonhos dele não estivessem para sempre colados nos meus.
Sorte que não pensei em nada na hora. Acho que ser chamada de "parte tal" me anestesiou. Firulas legais foram recitadas. E eu ali esperando o "então vos declaro..." Mas não tem. E não tem música. E ninguém nos beijou na saída.
— "As partes" podem se retirar.
Cruzamos o corredor cinza e descemos pelo elevador cinza, a advogada cinza sempre falando, coisas cinza.
Na rua enfim o sol. E eu rezando para que, pelo menos, um bote laranja me trouxesse pra casa
Voltamos juntos, falando dos nossos bebês. Olhos azuis nos outros olhos azuis, eu ainda sei o que aqueles olhos pensam.
Estranhamente, desde lá eu venho pensando em mar, em botes, em vento...
E em bebês.(by Suzana Gutierrez)
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
VERANEIO NO R.G.DO SUL..IMPERDÍVEL!
Este texto de Paulo Wainberg eu li e guardei.Acho um dos textos mais hilários e realistas das nossas praias aqui do sul, embora muita gente de grana da nossa sociedade vá veranear em Punta del Este no verão mas não deixam de manter suas casas chiquetéssimas por aqui. Vai entender!
Vamos ao texto!
Para conhecimento nacional e reconhecimento regional:
Está chegando o verão e com ele o veraneio, como chamamos aqui no Sul.
Não sei se vocês, de outros Estados, sabem, mas temos o mais fantástico litoral do País: de Torres ao Chuí, uma linha reta, sem enseadas, baias, morros, reentrâncias ou recortes. Nada!
Apenas uma linha reta, areia de um lado, o mar do outro.
Torres, aliás, é um equívoco geográfico, contrário às nossas raízes farroupilhas e devia estar em Santa Catarina.
Característica nossa, não gostamos de intermediários.
Nosso veraneio consiste em pisar na areia, entrar no mar, sair do mar e pisar na areia.
Nada de vistas deslumbrantes, vegetações verdejantes, montanhas e falésias, prainhas paradisíacas e outras frescuras cultivadas aí para cima.
O mar gaúcho não é verde, não é azul, não é turquesa.
É marrom!
Cor de barro iodado, é excelente para a saúde e para a pele! E nossas ondas são constantes, nem pequenas nem gigantes, não servem para pegar jacaré ou furar onda. O solo do nosso mar é escorregadio, irregular, rico em buracos. Quem entra nele tem que se garantir.
Não vou falar em inconvenientes como as estradas engarrafadas, balneários hiper-lotados, supermercados abarrotados, falta de produtos, buzinaços de manhã de tarde e de noite, areia fervendo, crianças berrando, ruas esburacadas, tempestades e pele ardendo, porque protetor solar é coisa de fresco e em praia de gaúcho não tem sombra. Nem nos dias de chuva, quase sempre nos fins-de-semana, provocando o alegre, intermitente, reincidente e recorrente coaxar dos sapos e assustadoras revoadas de mariposas.
Dois ventos predominam, em nosso veraneio: o nordeste – também chamado de nordestão – e o sul, cuja origem é a Antártida.
O nordestão é vento com grife e estilo... estilo vendaval.
Chega levantando areia fina que bate em nosso corpo como milhões de mosquitos a nos pinicar. Quem entra no mar, ao sair rapidamente se transforma no – como chamamos com bom-humor – veranista à milanesa. A propósito, provoca um fenômeno único no universo, fazendo com que o oceano se coloque em posição diagonal à areia: você entra na água bem aqui e quando sai, está a quase um quilômetro para sul. Essa distância é variável, relativa ao tempo que você permanecer dentro da água.
Outra coisa: nosso mar é pra macho!
Água gelada, vai congelando seus pés e termina nos cabelos. Se você prefere sofrer tudo de uma vez, mergulhe e erga-se, sabendo que nos próximos quinze minutos sua respiração voltará ao normal: é o tempo que leva para recuperar-se do choque térmico.
Noventa por cento do nosso veraneio é agraciado pelo nordestão que, entre outras coisas, promove uma atividade esportiva praiana, inusitada e exclusiva do Sul: Caça ao guardassol. Guardassol, você sabe, é o antigo guarda-sol, espécie de guarda-chuva de lona, colorida de amarelo, verde, vermelho, cores de verão, enfim, cujo cabo tem uma ponta que você enterra na areia e depois senta embaixo, em pequenas cadeiras de alumínio que não agüentam seu peso e se enterram na areia.
Chega o nordestão e... lá se vai o guardassol, voando alegremente pela orla e você correndo atrás. Ganha quem consegue pegá-lo antes de ele se cravar na perna de alguém ou desmanchar o castelo de areia que, há três horas, você está construindo com seu filho de cinco anos.
O vento sul, por sua vez, é menos espalhafatoso. Se você for para a praia de sobretudo, cachecol e meias de lã, mal perceberá que ele está soprando. É o vento ideal para se comprar milho verde e deixar a água fervente escorrer em suas mãos, para aquecê-las.
Raramente, mas acontece, somos brindados com o vento leste, aquele que vem diretamente do mar para a terra. Aqui no Sul, chamamos o vento leste de ‘vento cultural’, porque quando ele sopra, apreendemos cientificamente como se sentem os camarões cozinhados ao bafo.
E, em todos os veraneios, acontece aquele dia perfeito: nenhum vento, mar tranquilo e transparente, o comentário geral é: “foi um dia de Santa Catarina, de Maceió, de Salvador” e outras bichices. Esse dia perfeito quase sempre acontece no meio da semana, quando quase ninguém está lá para aproveitar. Mas fala-se dele pelo resto do veraneio, pelo resto do ano, até o próximo verão.
Morram de inveja, esta é outra das coisas de gaúcho!
Atenta a essas questões, nossa indústria da construção civil, conhecida mundialmente por suas soluções criativas e inéditas, inventou um sistema maravilhoso que nos permite veranear no litoral a uma distância não inferior a quinhentos metros da areia e, na maioria dos casos, jamais ver o mar: os famosos condomínios fechados.
A coisa funciona assim: a construtora adquire uma imensa área de terra (areia), em geral a preço barato porque fica longe do mar, cerca tudo com um muro e, mal começa a primavera, gasta milhares de reais em anúncios na mídia, comunicando que, finalmente agora você tem ao seu dispor o melhor estilo de veranear na praia: longe dela. Oferece terrenos de ponta a ponta, quanto mais longe da praia, mais caro é o terreno. Você vai lá e compra um.
Enquanto isso a construtora urbaniza o lugar: faz ruas, obras de saneamento, hidráulica, elétrica, salão de festas comunitário, piscina comunitária com águas térmicas, jardins e até lagos e lagoas artificiais onde coloca peixes para você pescar. Sem falar no ginásio de esportes, quadras de tênis, futebol, futebol-sete, se o lago for grande, uma lancha e um professor para você esquiar na água e todos os demais confortos de um condomínio fechado de Porto Alegre, além de um sistema de segurança quase, repito, quase invulnerável.
Feliz proprietário de um terreno, você agora tem que construir sua casa, obedecendo é claro ao plano-diretor do condomínio que abrange desde a altura do imóvel até o seu estilo.
O que fazemos nós, gaúchos, diante dessa fabulosa novidade? Aderimos, é claro.
Construímos as nossas casas que, de modo algum, podem ser inferiores às dos vizinhos, colocamos piscinas térmicas nos nossos terrenos para não precisar usar a comunitária, mobiliamos e equipamos a casa com o que tem de melhor, sobretudo na questão da tecnologia: internet, TV à cabo, plasma ou LCD, linhas telefônicas, enfim, veraneamos no litoral como se não tivéssemos saído da nossa casa na cidade.
Nossos veraneios costumam começar aí pela metade de janeiro e terminar aí pela metade de fevereiro, depende de quando cai o Carnaval. Somos um povo trabalhador, não costumamos ficar parados nas nossas praias.
Vamos para lá nas sextas-feiras de tarde e voltamos de lá nos domingos à noite. Quase todos na mesma hora, ida e volta.
É assim que, na sexta-feira, pelas quatro ou cinco da tarde, entramos no engarrafamento. Chegamos ao nosso condomínio lá pelas nove ou dez da noite. Usufruímos nosso novo estilo de veranear no sábado – manhã, tarde e noite – e no domingo, quando fechamos a casa.
Adoramos o trabalhão que dá para abrir, arrumar e prover a casa na sexta de noite, e o mesmo trabalhão que dá no domingo de noite.
E nem vou contar quando, ao chegarmos, a geladeira estragou, o sistema elétrico pifou ou a empregada contratada para o fim-de-semana não veio.
Temos, aqui no Sul, uma expressão regional que vou revelar ao resto do mundo:
-Graças a Deus que terminou esta bosta de veraneio!
Vamos ao texto!
Para conhecimento nacional e reconhecimento regional:
Está chegando o verão e com ele o veraneio, como chamamos aqui no Sul.
Não sei se vocês, de outros Estados, sabem, mas temos o mais fantástico litoral do País: de Torres ao Chuí, uma linha reta, sem enseadas, baias, morros, reentrâncias ou recortes. Nada!
Apenas uma linha reta, areia de um lado, o mar do outro.
Torres, aliás, é um equívoco geográfico, contrário às nossas raízes farroupilhas e devia estar em Santa Catarina.
Característica nossa, não gostamos de intermediários.
Nosso veraneio consiste em pisar na areia, entrar no mar, sair do mar e pisar na areia.
Nada de vistas deslumbrantes, vegetações verdejantes, montanhas e falésias, prainhas paradisíacas e outras frescuras cultivadas aí para cima.
O mar gaúcho não é verde, não é azul, não é turquesa.
É marrom!
Cor de barro iodado, é excelente para a saúde e para a pele! E nossas ondas são constantes, nem pequenas nem gigantes, não servem para pegar jacaré ou furar onda. O solo do nosso mar é escorregadio, irregular, rico em buracos. Quem entra nele tem que se garantir.
Não vou falar em inconvenientes como as estradas engarrafadas, balneários hiper-lotados, supermercados abarrotados, falta de produtos, buzinaços de manhã de tarde e de noite, areia fervendo, crianças berrando, ruas esburacadas, tempestades e pele ardendo, porque protetor solar é coisa de fresco e em praia de gaúcho não tem sombra. Nem nos dias de chuva, quase sempre nos fins-de-semana, provocando o alegre, intermitente, reincidente e recorrente coaxar dos sapos e assustadoras revoadas de mariposas.
Dois ventos predominam, em nosso veraneio: o nordeste – também chamado de nordestão – e o sul, cuja origem é a Antártida.
O nordestão é vento com grife e estilo... estilo vendaval.
Chega levantando areia fina que bate em nosso corpo como milhões de mosquitos a nos pinicar. Quem entra no mar, ao sair rapidamente se transforma no – como chamamos com bom-humor – veranista à milanesa. A propósito, provoca um fenômeno único no universo, fazendo com que o oceano se coloque em posição diagonal à areia: você entra na água bem aqui e quando sai, está a quase um quilômetro para sul. Essa distância é variável, relativa ao tempo que você permanecer dentro da água.
Outra coisa: nosso mar é pra macho!
Água gelada, vai congelando seus pés e termina nos cabelos. Se você prefere sofrer tudo de uma vez, mergulhe e erga-se, sabendo que nos próximos quinze minutos sua respiração voltará ao normal: é o tempo que leva para recuperar-se do choque térmico.
Noventa por cento do nosso veraneio é agraciado pelo nordestão que, entre outras coisas, promove uma atividade esportiva praiana, inusitada e exclusiva do Sul: Caça ao guardassol. Guardassol, você sabe, é o antigo guarda-sol, espécie de guarda-chuva de lona, colorida de amarelo, verde, vermelho, cores de verão, enfim, cujo cabo tem uma ponta que você enterra na areia e depois senta embaixo, em pequenas cadeiras de alumínio que não agüentam seu peso e se enterram na areia.
Chega o nordestão e... lá se vai o guardassol, voando alegremente pela orla e você correndo atrás. Ganha quem consegue pegá-lo antes de ele se cravar na perna de alguém ou desmanchar o castelo de areia que, há três horas, você está construindo com seu filho de cinco anos.
O vento sul, por sua vez, é menos espalhafatoso. Se você for para a praia de sobretudo, cachecol e meias de lã, mal perceberá que ele está soprando. É o vento ideal para se comprar milho verde e deixar a água fervente escorrer em suas mãos, para aquecê-las.
Raramente, mas acontece, somos brindados com o vento leste, aquele que vem diretamente do mar para a terra. Aqui no Sul, chamamos o vento leste de ‘vento cultural’, porque quando ele sopra, apreendemos cientificamente como se sentem os camarões cozinhados ao bafo.
E, em todos os veraneios, acontece aquele dia perfeito: nenhum vento, mar tranquilo e transparente, o comentário geral é: “foi um dia de Santa Catarina, de Maceió, de Salvador” e outras bichices. Esse dia perfeito quase sempre acontece no meio da semana, quando quase ninguém está lá para aproveitar. Mas fala-se dele pelo resto do veraneio, pelo resto do ano, até o próximo verão.
Morram de inveja, esta é outra das coisas de gaúcho!
Atenta a essas questões, nossa indústria da construção civil, conhecida mundialmente por suas soluções criativas e inéditas, inventou um sistema maravilhoso que nos permite veranear no litoral a uma distância não inferior a quinhentos metros da areia e, na maioria dos casos, jamais ver o mar: os famosos condomínios fechados.
A coisa funciona assim: a construtora adquire uma imensa área de terra (areia), em geral a preço barato porque fica longe do mar, cerca tudo com um muro e, mal começa a primavera, gasta milhares de reais em anúncios na mídia, comunicando que, finalmente agora você tem ao seu dispor o melhor estilo de veranear na praia: longe dela. Oferece terrenos de ponta a ponta, quanto mais longe da praia, mais caro é o terreno. Você vai lá e compra um.
Enquanto isso a construtora urbaniza o lugar: faz ruas, obras de saneamento, hidráulica, elétrica, salão de festas comunitário, piscina comunitária com águas térmicas, jardins e até lagos e lagoas artificiais onde coloca peixes para você pescar. Sem falar no ginásio de esportes, quadras de tênis, futebol, futebol-sete, se o lago for grande, uma lancha e um professor para você esquiar na água e todos os demais confortos de um condomínio fechado de Porto Alegre, além de um sistema de segurança quase, repito, quase invulnerável.
Feliz proprietário de um terreno, você agora tem que construir sua casa, obedecendo é claro ao plano-diretor do condomínio que abrange desde a altura do imóvel até o seu estilo.
O que fazemos nós, gaúchos, diante dessa fabulosa novidade? Aderimos, é claro.
Construímos as nossas casas que, de modo algum, podem ser inferiores às dos vizinhos, colocamos piscinas térmicas nos nossos terrenos para não precisar usar a comunitária, mobiliamos e equipamos a casa com o que tem de melhor, sobretudo na questão da tecnologia: internet, TV à cabo, plasma ou LCD, linhas telefônicas, enfim, veraneamos no litoral como se não tivéssemos saído da nossa casa na cidade.
Nossos veraneios costumam começar aí pela metade de janeiro e terminar aí pela metade de fevereiro, depende de quando cai o Carnaval. Somos um povo trabalhador, não costumamos ficar parados nas nossas praias.
Vamos para lá nas sextas-feiras de tarde e voltamos de lá nos domingos à noite. Quase todos na mesma hora, ida e volta.
É assim que, na sexta-feira, pelas quatro ou cinco da tarde, entramos no engarrafamento. Chegamos ao nosso condomínio lá pelas nove ou dez da noite. Usufruímos nosso novo estilo de veranear no sábado – manhã, tarde e noite – e no domingo, quando fechamos a casa.
Adoramos o trabalhão que dá para abrir, arrumar e prover a casa na sexta de noite, e o mesmo trabalhão que dá no domingo de noite.
E nem vou contar quando, ao chegarmos, a geladeira estragou, o sistema elétrico pifou ou a empregada contratada para o fim-de-semana não veio.
Temos, aqui no Sul, uma expressão regional que vou revelar ao resto do mundo:
-Graças a Deus que terminou esta bosta de veraneio!
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