domingo, 1 de agosto de 2010

Faz de conta!

 Que ..você acordou, ligou para o salão e marcou um horário. Na hora do almoço, você foi lá e pediu:
-Corta bem curto!
 O cabeleireiro não acreditou no que ouvia. Afinal, seus quase cinquenta centímetros de cabelo sempre foram, na sua cabeça  uma espécie de atestado da sua feminilidade. Mas agora eles teriam de ser curtos. Para que suas ideias ficassem longas. Ele colocou a mão um pouco abaixo do seu ombro:
-Mais ou menos aqui?
Você segurou a mão dele, levou-a na altura da sua orelha, e disse: Tosa.
Depois você passou naquela loja onde tem uns vestidos moderninhos e coloridos. Você entrou e pediu aquele cor de laranja com borboletas, muito mais curto do que os que você costuma usar. Aproveitou e pediu a sapatilha da vitrine. Arrancou o seu terninho bege, sua camisa branca e seu escarpim marrom. Deixou tudo por lá mesmo, no provador. E quando a vendedora perguntou o que fazer com aquilo, você disse: Queima.
Quando você retornou ao trabalho, uma hora depois do horário de costume, com aquele vestidinho e com os cabelos daquele jeito, a roda em torno de você foi se formando. Uns, animadíssimos. Outros, nem tanto. Alguns reprovaram. Como as coisas já não andavam muito bem por ali, sua chefe lhe chamou no final do dia para conversar, e avisou que as coisas não poderiam continuar daquele jeito, ou ela teria que substituir você. E você disse: Substitui.
Saindo de lá deu vontade de jantar naquele bistrô aonde você acha que só deveria ir no dia do seu aniversário ou outra data importante. Você mal encostou seu carro e já veio o dono da rua, dizendo que eram dez pratas para parar ali. E, como você não deu bola, o homem começou aquela conversinha surrada dizendo, na entrelinha da entrelinha, que um eventual não-pagamento antecipado incorreria em riscos indesejáveis na pintura,etccc. Você pegou o celular, digitou três números, mostrou o visor para o homem e, já com o dedo na tecla “ligar” para a polícia, disse: Risca.
Faz de conta que você chegou em casa e sua filha de dezessete anos estava na sala com o namorado. Você teve que contar de novo a história daquele vestido e daquele cabelo e, como chovia, sua filha sondou se o rapaz poderia dormir ali. E, enquanto jogava no lixo aquela agendinha que você só usava no trabalho, você disse: Pode.
Quando se deitou para dormir, aquele anjo que costuma vir conversar com você antes do sono se empoleirou na cabeceira da sua cama. Elogiou o cabelo, o vestido, a decisão no trabalho, o presente de não-aniversário, o chega pra lá no dono da rua, a atitude com a filha. Só por curiosidade, perguntou que bicho havia mordido você. E você, se ajeitando no travesseiro e já desligando o abajur, disse:
Nenhum.
No dia seguinte, vendo que eram dez da manhã e você ainda não havia se levantado, sua filha entrou no quarto, vocês conversaram e no final ela perguntou como é que vocês viveriam dali para frente. Com certa ironia, ela arriscou dizer que com as bolsas e os badulaques que você produzia e vendia nos finais de semana é que não seria. E você disse: Sim.
À tarde, você procurou o dono daquele galpão que você havia visto para alugar, perfeito para uma oficina, e fez uma oferta. O homem coçou a cabeça, pediu um pouquinho mais, e você disse: Fechado.
À noitinha, você foi até a casa dos seus avós, assim, de surpresa. E, de surpresa, você os beijou. E quando eles perguntaram o que era aquilo, você disse: Amor.
Faz de conta que foi assim. Faz de conta que foi desse jeito que você virou a mesa. Que resolveu não perder mais tempo, fazer o que gosta e ser do jeito que você, só você, acha que fica mais bonita.
Faz de conta que você morreu. E que alguém lhe deu a oportunidade de voltar para um terceiro tempo.
Então. Agora vai lá e faz tudo de verdade."

PORTANTO
 
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RECEBI DE UMA AMIGA POR E-MAIL ESTE TEXTO
"Sei que gostas de animais e achei este texto excelente sobre o assunto, e quero contribuir com teu blog".


Os animais de estimação são mais importantes no amor do que supõe a nossa vã filosofia.
Importantíssimos.
Já terminei romances em que fiquei com tanta saudade da ex quanta da sua gata, cachorro e até dos ratos que roeram rapidamente as nossas vestes nada nobres do desejo.
Quando ainda morava no sertão, ficava morrendo de amor pelos tatus criados em fundo de quintais e tonéis, preás de estimação, tejus, timbus, morrendo de amor pelos macacos, todos batizados chicos, nambus, codornizes e gordas patas que se arrastavam na lama em anos de chuva.
Também já ocorreu de conquistar mulheres, ou pelo menos consolidar boas histórias amorosas, por demonstrar carinho e afeto com os bichanos. Como sair de casa altas horas da madrugada para comprar a ração do felino. E de quebra, trazer um patê especial para o danado.
Sim, o amor passa pelos bichos, eu acredito.
Uma mulher que afaga e trata bem o meu cachorro, sendo que às vezes o cão vadio possa ser eu mesmo, uma mulher que brinca de “never more” com o meu corvo Edgar, que diz sacanagens ao meu papagaio Florbé, que faz uma graça para o meu bode Ressaca... Essa mulher marca pontos importantíssimos, além de fazer o necessário na cartilha do amor mais franciscano.
Claro que essa forma de ver o amado ou a amada nos seus animais de estimação pode gerar também pequenos desastres, catástrofes nem sempre naturais. Uma amiga do Rio, por exemplo, evitava as gracinhas do cão do seu ex sempre que ele aprontava. Chegava a ser indelicada, grosseira, como se visse naquele labrador as pisadas na bola do seu dono. Acontece. Afinal de contas os bichos ficam um pouco, com o tempo, com os mesmos focinhos dos seus digníssimos “proprietários”.
Além de tudo isso, pelos animais que possui se conhece mais um pouco um homem.
Sério.
O cara que cria um gato tem muito mais chance de ser um homem sensível, embora até enfrente um certo preconceito entre os seus amigos, que insinuam uma certa viadagem, baitolagem ou perobice, para usar termos dos quais abusamos nos nossos encontros de futebol e boteco.
O homem que passeia orgulhosamente com o seu pitbull pode até não ser um monstro, mas aquela focinheira já diz um pouco do seu dono. Não que o cão tenha alguma culpa, ele está no mundo dele. O erro é de que o desloca e o usa para outros exercícios de violência.
Mas voltemos aos gatos, esses metafísicos e misteriosos animais. Como eles dizem tudo sobre o amor e sobre nós. O casal briga e eles incorporam o barraco. Vão lá e quebram tudo, reviram o mocó-saló de cabeça pra baixo.
Na harmonia e no amor intenso, lá está ele, sempre aos nossos pés. Como eles adoram ver e sentir os cheiros da hora do sexo. Eta bichanos voyeuristas. Eles se enroscam na cama depois das nossas melhores noites. Cumprimentam-nos pelo afeto e pela performance. Um belo “miau” de parabéns, como se dissesse, a nos arranhar de leve, estão vendo como o amor pode dar certo, seus cães danados?!

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